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quarta-feira, 27 de março de 2013

A Vingança de Kali. Terceira parte.

Por: Tatiana Ruiz.

-Vamos meu bebê… Está na hora de se alimentar – disse a voz rouca e trêmula, seguida de um riso esganiçado, para a criatura que se retorcia dentro da jaula. O cheiro do pequeno lenço branco invadia suas narinas ardidas, trazendo uma sensação boa... A mesma que sempre antecedia uma refeição.
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- Porra Laís, cadê você? Cara, o pai e a mãe estão umas feras por que você e seu maridinho simplesmente não respondem às chamadas. Atende o telefone, meu! – Tatiana abaixou o braço que segurava o aparelho para poder xingar o quanto queria. Ergueu novamente o celular – Ah, não vai atender né? Beleza... Eu vou praí agora mesmo! Não quero nem saber. E tratem de se vestir, por que se eu quisesse ver dois animais no cio iria a um zoológico!
Desligou e jogou o celular na cama com fúria. Era sempre assim. Sempre sobrava pra ela as bombas que a irmã armava. “Ai, a Laisinha ainda não respondeu ao meu telefonema”, “Ai... Por que a Lala ainda não falou nada? Já tem um dia desde que nos falamos...” sempre que a madame resolvia que precisava de um tempo era aquele inferno, e dessa vez não era nem um pouco diferente. Os pais já a tinham feito ligar para todos os hospitais e delegacias da região atrás de noticias, e isso tudo por que em plena sexta-feira – antes de um feriado prolongado – não conseguiram falar com seu bebê, que não aparecia para visitá-los desde o dia anterior. Será que não viam que ela era quem sempre estava presente quando precisavam? Ela, Tatiana, e não a irmã?
- Que crime... Um dia sem falar com a dondoca... – dizia pra si, enquanto pegava a bolsa e as chaves. – Vou lá na casa dela! – gritou da porta, para avisar aos pais. Achava tudo aquilo uma perda de tempo sem tamanho. Tinha certeza que ela só tinha saído sem avisar, de novo, e isso a enchia de ódio. Entrou no carro e dirigiu até o apartamento do casal, munida da cópia da chave – que Lais dera à mãe meses antes, para aguar suas plantas enquanto viajava, e nunca pediu de volta – e de uma cara de pau que apenas a raiva e a mágoa poderiam lhe conferir.
- To entrando!!! – disse enquanto abria a porta – Ei, me ouvem? Entrando... – gritava enquanto passava pela sala, em direção à cozinha e ao quarto. Nada deles em lugar algum. – Ah, perfeito! Nem sinal... E agora? O que falo pra mãe e pro pai, hein Sra. Perfeição? – caminhou irritada até a mesinha do computador, que ficava do lado oposto à cama, no quarto do casal. Ali havia uma agenda aberta e um pequeno calendário com a data daquela sexta circulada, escrito “Terom – Bosque Rogen”. – Mas que filha da... – a frase morreu nos lábios antes de terminar. Pegou o telefone e ligou para casa. – Não mãe, é sua outra filha... Que por um acaso espero que a senhora não tenha esquecido. Não, a Lais não tá em casa... Ela saiu com o marido pra aproveitar o feriado, eu não disse? - ouviu-a reclamar ao outro lado da linha – Como é que eu ia saber? Mal falo com aquela peste. Mã... Mãe... Mãe! Esse é meu papel como irmã mais velha. O que mais eu faria além de falar mal dela? Tá mãe. Não chora... Ok, se souber de mais algo eu aviso. Tchau!
Desligou bufando. “Ah Lais, dessa vez você me paga! Cara, essa foi a gota! Dessa vez eu não vou mesmo deixar barato!” pensou consigo enquanto a ideia se formava em sua mente. Será que ela nunca deixaria de ser irresponsável? Lembrava-se de uma vez que fora com Paula, uma amiga, à casa de uma pessoa que fazia todo tipo de magias. Poderia ir até lá e pedir pra fazer algo, dar um susto nela. Um dos bons! É. Era isso que tinha que fazer!
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Era bom estar finalmente livre depois de tanto tempo. A fome corroía seu ser de uma forma inimaginável. Tinha recebido a ordem, tinha o alvo, a caça... Era tudo o que precisava. O cheiro doce trazido pelo vento inebriava seus sentidos. Eram dois... Isso não significava muita coisa, pois estava realmente faminto e seria capaz de comer milhares de vezes mais que isso, mas teria que servir.  Era melhor do que nada... Melhor do que os dias e noites inteiros de agonia naquela jaula apertada e suja. Aproximava-se lentamente do local. Havia uma tenda e duas sombras dentro dela, só podiam ser eles. O cheiro era o mesmo... Tinha certeza! Caminhou até a fonte, o corpo tremendo de excitação, antegozando o banquete – pois com a fome que tinha, até um filhote de rato seria uma farta mesa digna de um rei – que teria à sua disposição em poucos minutos.
Um odor forte invadiu a barraca, despertando Lais e Rainier, mas, antes que pudessem reagir de alguma forma, se viram paralisados. Era como se algo os mantivesse vidrados, algo naquele perfume raro e horrendo que vinha de fora. Naquele momento ambos preferiam não ter aberto os olhos.
A criatura começou pela mulher, que sequer pôde gritar, tendo sua carne rasgada pelas garras poderosas. Arrastou seu corpo para fora e sem cerimônia se preparou para deleitar-se com a cabeça de sua vitima. Primeiro com uma garra, depois com outra, estraçalhava o crânio para aproveitar seu interior, como criança abrindo um presente, e com a grande língua bebia, como um animal, todo o sangue que conseguia alcançar. Pedaços rosados voavam em todas as direções, formando uma obra de arte bizarra. O corpo à sua frente estava completamente desmembrado, devido à força com que o segurava, mas ainda não tinha passado à carne. O cérebro tinha sido apenas a entrada... Um som fez com que sua atenção se voltasse para o homem, que começava a recobrar o poder sobre si. Com poucos e rápidos movimentos já o tomava em suas patas, sorvendo seu sangue e o levando para longe.  O ronco que saía da gigantesca boca, na altura de seu peito e estomago, parecia um riso engasgado. Alguém que o visse ali até poderia dizer que tremia... Poderia dizer que tinha alguma noção do que acontecia... Quase como se fosse racional. Como se ao mesmo tempo em que ansiava por aquilo, também repugnasse.
Com duas bocadas já tinha arrancado um tampo na barriga dele, deixando expostos os intestinos. Não conseguia se decidir sobre quem deveria ser o prato principal e quem deveria ser a sobremesa, mas acabou optando por voltar e terminar o que começara com a fêmea. Foi quando seus sentidos captaram algo estranho. Estava vindo... Não poderia continuar ali. Correu o mais que suas pernas permitiam de volta para a segurança(?) de seu lar. Não queria estar ali quando aquilo chegasse. Rainier ainda trazia em si um fio de vida, que infelizmente não se rompeu antes do sorriso diabólico se formar nos lábios do recém chegado.
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- O que te traz aqui de volta minha jovem? – a voz, vinda das profundezas, arrepiou todos os pelos do corpo de Tatiana.
- Lembra-se de mim?
- Não sou do tipo que esquece rostos... Principalmente quando me interessa não esquecer. Sabia que voltaria algum dia. Cedo ou tarde... – riu. Um riso macabro que enjoou a mulher à sua frente.
- Vim por que preciso de um favor. Preciso que...
- Não acredito que tenha vindo então ao lugar certo – foi brutalmente interrompida por aquele quase ganido – Aqui não se fazem favores. Se for isso que quer, volte de onde veio.
- Não! Eu acho que só me expressei mal... Eu... Vim em busca de um serviço, um trabalho, um “alguma coisa” que você faça aqui. – abriu a bolsa e tirou de dentro um bolo de dinheiro, uma foto e um lencinho – Quero assustar uma pessoa.
O sorriso de dentes podres dava náuseas. “Acho que agora falamos a mesma língua” foi a resposta que recebeu, enquanto era encaminhada para a sala contígua. Era um local estranho, cheio de ossos e artigos de magia e feitiçaria. Deviam ser de diversos países diferentes pelo visto. Tatiana olhava atentamente para tudo. Uma imagem em especial lhe chamou a atenção. Uma mulher azul, com quatro braços, serpentes pelo corpo, trajando uma saia de braços e um colar de crânios. Era diferente de qualquer coisa que já tinha posto sua mirada e não se lembrava de que estivesse ali da primeira vez.
- Então? Quem devemos – fez uma pausa e ela podia jurar que foi para não rir – assustar?
- É minha irmã caçula – virou-se para o ser, esquecendo-se da estranheza causada pela figura – Já não suporto mais as “aprontações” dela. Preciso que tenha uma lição que jamais seja esquecida.
- Detalhes – disse indicando a cadeira à frente, onde a moça se acomodou.
- Ao que parece ela e o marido foram para uma cidade chamada Terom, algo a ver com um Bosque Rogen, ou algo assim... Acredito que queiram aproveitar o feriado prolongado e dar uma de pombinhos apaixonados, mas não é a primeira vez que ela some assim e deixa nossos pais preocupados. Ela precisa aprender, de uma vez por todas, que isso não se faz. Precisa de algo pra que nunca mais faça isso.
O ódio em seu olhar era delicioso na opinião daquele que deveria ajuda-la. Combustível para seus propósitos.
- E quem é a vitima?
- Vitima? – arregalou os olhos ante a palavra, mas com a risada do outro tentou relaxar – Bem, é essa aqui... – mostrou a foto que trazia, a irmã com o marido. Viu duas órbitas brilhantes se dirigindo ao papel em sua mão. Passou por sua mente que ele os conhecia, mas logo afastou esse pensamento – E esse é o marido dela, Rainier.
- Bem, como estamos perto de um feriado eu talvez tenha algo pra você. Mas esse susto poderia matá-la...
- Pois que mate! Ela está matando nossos pais de desgosto. Quero que ela tenha um ataque! Só assim pra nunca mais aprontar outra dessas. – balançava a cabeça revoltada. Já conseguia imaginar a cara da irmã quando as coisas começassem a voar perto dela, e aqueles efeitos de filme de terror que ela imaginava que seriam usados pra ensinar à Laís que não era bom sair sem avisar nada. Fazia questão de estar presente quando ela voltasse da viagem, chorando de nervoso e arrependida do que fez.
- Com certeza culminará num ataque... – a atenção dele se mantinha na foto. O destino se encarregara de ajuda-lo. Despediu-se da jovem, não sem antes pegar o dinheiro e o objeto pessoal da vitima do feitiço. Tudo caminhava como planejado.
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O cheiro ocre de sangue se espalhava com o vento e a satisfação estava garantida. Era hora de o verdadeiro trabalho começar.  Com maestria o ser – o verdadeiro monstro – pregou os restos do corpo de Laís, pedaço por pedaço, à madeira da árvore, como um artista que planeja cada passo da escultura. Por último marcou a primeira letra no que sobrara da junção de seu pescoço com a nuca. Seguiu o rastro de sangue e encontrou um ainda moribundo Rainier. O sorriso que se formou nos lábios arroxeados parecia um vislumbre do próprio inferno.
- Agora nós...
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Quando a equipe de policiais chegou ao local a visão que teve foi desoladora. Os pedaços da mulher pregados e o colega de trabalho enforcado em seus órgãos. Uma terrível visão que certamente ficaria gravada pra sempre em suas retinas.
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– Bom dia, delegado Hedomon…

[Continua…]

6 comentários:

  1. Taty, gostei da sua bela colaboração ao conto coletivo! Conseguiu abrir uma nova linha para a trama, saindo do núcleo de investigadores, o que pode ajudar no trabalho da próxima pessoa e, com certeza, criar um rumo completamente inusitado. Vocês querem mesmo ver o circo pegar fogo no desfecho, né? :D

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    1. Caramba, estou quase achando que tem história para dar duas rodadas... Cada dia uma nova surpresa e uma nova trama. Tem tantas coisas para explorar que estou até com pena do trabalho q vc terá! Hashuuauhahuashushu...

      Good Luck.

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  2. Tati, adorei a sua parte no conto; e com isso quero dizer o que você escreveu e o que a sua personagem fez. Gostei muito dessa história de ela querer dar uma lição na irmã e essa "vidente" que você introduziu na história. Gostei muito mesmo!
    Ai, ai, só estou ficando mais e mais nervosa ao chegar a minha vez lendo tantos contos bons!
    E obrigada por salvar o dia, moça! xD

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  3. Nhay gente, obrigada!!! Relax... Eu tava era apavorada de não estar à altura! Tanta gente boa e os primeiros caminhos tão bem trilhados *.*

    Aguardando a continuação!

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    1. Minhas preces foram atendidas, de maneira muito inusitada! Parabéns por dar a trama mais uma visão, mais uma faceta diferente de tudo.

      Agora temos mais vilões do que mocinhos e muitas perguntas para serem respondidas.
      1 - Quem é o monstro e porque ele marca as pessoas?
      2 - Porque a "vidente" mandou justamente este monstro?
      3 - Como será o desfecho dessa irmã?

      Caramba, tem tanta coisa que será difícil matar em apenas 4 contos restantes...

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  4. Cada parte lida uma surpresa.Estou amando!
    Aguardo ate a próxima semana

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