Dedico este conto a Clive Barker, aquele que me apresentou o terror de forma tão visceral, mesclando sexo e morte, a dança da criação e destruição.
“Cada corpo é um livro de sangue: sempre que nos abrem, a impressão é vermelha”.
—Clive Barker.
Para começar a nossa conversa, lhes digo que meu nome é Matheus, apesar do vício que me consome, ainda consigo manter um parco controle de minha mente, suficiente para saber meu nome e o que aconteceu comigo. Acredito que em breve não lembrarei quem sou, então quero registrar as minhas memórias através de uma pessoa que as escreve para mim.
Na noite em que a minha vida mudou completamente, estava procurando sexo fácil. Nunca vi problemas em usufruir do corpo de prostitutas, elas queriam dinheiro e eu o possuía em abundância, uma vantagem de ser o maior empresário da cidade de Maceió, dono de uma construtora. Vaguei pelo bairro de Jaraguá com a minha Ferrari, até encontrar uma mulher que usava um vestido negro, justíssimo, que lhe acentuava as curvas voluptuosas. O olhar dela e o modo como mexia nos cabelos ruivos bradava: quero ser possuída.
Encostei o carro, baixei a janela o suficiente para que meus olhos ficassem à mostra e falei:
—Olá, linda, quanto é o seu programa? – perguntei coçando o meu cavanhaque e posteriormente a minha careca.
Ela avaliou o meu carro, encarou-me com um sorriso malicioso e disse com um tom tão sensual que agiu tal como uma faísca em minha libido altamente inflamável.
—Um preço que obviamente você pode pagar, vai querer?
Pelo retrovisor, olhei se havia algum transeunte nas redondezas ou um carro se aproximando, não queria que minha esposa descobrisse minhas aventuras e desconfiava que ela pudesse ter colocado um detetive em meu encalço. Calmo, após comprovar que éramos os únicos por ali, respondi:
—Claro, meu bem, entre – levantei o vidro e abri a porta do passageiro, enquanto ela dava a volta pela frente do carro, com o jeito majestoso de uma modelo na passarela.
Quando ela sentou ao meu lado, senti um perfume extremamente agradável, doce e marcante. A carne lívida dela me deixava salivando e quando digo isso não é de forma figurada, tanto que retirei um lenço do porta-luvas para enxugar a boca.
—O que foi? Sou assim tão gostosa? – aqueles olhos verdes não me deixavam mentir.
—Sim, demais! – deixei o lenço em cima do volante.
O volume em minha calça denunciava a excitação, eu era como um animal quando o assunto era sexo. Não conseguia ficar contornando as minhas presas com galanteios. Mantinha a etiqueta apenas na companhia de muitas pessoas, mas quando as sombras me protegiam, provava da seiva de vênus de todas elas.
—Pode ser aqui mesmo? – ela me indagou.
—Aonde você preferir, o controle é seu... – minha Ferrari tinha película fumê, então a discrição estava garantida.
—Ótimo – agora notei que ela carregava uma pequena bolsa vermelha – Como gostei muito de você, gostaria de fazer uma brincadeira simples – uma das mãos dela apalpava o meu pênis por cima da calça e a outra retirava da bolsa uma algema.
Com os lábios volumosos perto de meu ouvido direito, balançando a algema na frente de meus olhos, hipnotizando-me, perguntou:
—O que acha de prender suas mãos para trás do assento? Garanto que você terá muito prazer. Digamos que conheço muito bem os segredos contidos na carne – ela deu uma mordida de leve em minha orelha, causando um arrepio que se estendeu pelo corpo todo.
—Claro, tudo o que você quiser – estava tomado por uma euforia incontrolável, mais parecendo um garoto prestes a perder a virgindade.
Então ela puxou minhas mãos para trás do assento e algemou bem apertado. Ao contrário do que você pensa imaginar, não senti medo, muito pelo contrário, o meu tesão aumentou.
Depois ela montou em mim, quase esfregando os seios fartos em minha face.
—Vamos brincar, meu lobo – ela começou a desabotoar a minha camisa, enquanto lambia, beijava e mordia o meu pescoço.
Ficariam algumas marcas depois, mas eu queria mais que a minha mulher se danasse. Naquela hora, desejava apenas foder com aquela vadia.
Com a minha camisa aberta, ela começou a me beijar, fazendo a minha libido atingir níveis que desconhecia. As unhas longas, pintadas com um esmalte negro, percorriam o meu troco. Ora arranhando, ora cravando-se superficialmente. Acredita que ela chupava a ponta dos dedos de vez em quando? Meu sangue devia ser como mel.
—Mais dor, sua puta! Eu quero mais dor!
Os beijos dela se tornaram mais intensos, a língua bailava em minha boca freneticamente, senti algumas mordidas e um gosto ferroso, mas continuei a pedir mais.
—Quero tudo o que você tiver! Mostre-me o que é gozar de verdade!
Ela levantou o vestido até acima da cintura, deixando uma calcinha roxa com um lacinho preto na frente à mostra.
—Só um momento – remexendo na bolsinha, ela pegou um pequeno canivete cinza.
Quando ela expôs a lâmina, gelei um pouco, mas suspirando clamei:
—Eu quero! Me dê isto! Por favor.
Com um sorriso sádico, ela encostou a lâmina em meu pescoço, exatamente na jugular. Deslizou o canivete, sem fazer pressão contra minha pele, até chegar perto de sua boceta. Deu-me um beijo rápido e cortou os lados de sua calcinha, a qual jogou no banco de trás da Ferrari. O canivete ficou preso em sua boca, o que me lembrou de um daqueles desenhos de piratas. Desafivelou o meu cinto, abriu o zíper, desabotoou a calça e puxou-a até meus joelhos. Lentamente, introduziu-me nela, dando o gemido mais provocante que escutei em toda a minha vida. Sua umidade e calor me abrasaram ainda mais.
A respiração ditava o ritmo do corpo dela, subindo e descendo, mantendo as mãos em minha nuca. Quando a transpiração aumentou, ela cravou as unhas em meu pescoço, senti alguns filetes quentes escorrendo, mas não me importei. O êxtase saboreado pelas nossas carnes em comunhão era maior. A dor era prazerosa, mas ainda não estava saciado.
—Quero ainda mais, mostre-me tudo o que você pode oferecer de verdade! – disse ofegando. Já estava todo banhado em suor, apesar do ar-condicionado ligado no máximo.
Ela rasgou com as próprias mãos as alças de seu vestido, retirou o sutiã branco que usava e massageou os seios, pressionando os mamilos com os dedos indicadores e polegares.
Depois de se entreter por alguns minutos com as suas montanhas de Afrodite, resolveu arranhar o meu peitoral. Primeiro se formaram finas trilhas vermelhas, depois vi o sangue começar a escorrer, mas não era nada alarmante. Já estava acostumado com esses jogos, simples em minha opinião, todavia ela me hipnotizava, estava quase atingindo o subspace [1].
Continuava suando, enfeitiçado pela luxúria, dominado em corpo, mente e espírito.
Minha visão começou a ficar turvada, estava literalmente perdendo a razão, sucumbindo ao meu lado animalesco. Ouvi rosnados, nascidos em minha garganta, mas que ao mesmo tempo não pareciam um som produzido por mim. Era como se algo estivesse vestindo-me, entende? Possuindo-me, agora sei que esta é a definição certa. Como a lua possuía Lon Chaney Jr. em “O Lobisomem”!
Pisquei os olhos repetidas vezes, tentando enxergar nitidamente, mas seria melhor que não o tivesse feito.
Da testa daquela mulher belíssima, vi duas protuberâncias ósseas rasgando a pele e crescerem, tingindo seu rosto de vermelho. Aquele rio carmim escorreu até me tocar, o sangue dela era quente, tanto que me causou leves queimaduras, mas para ela era inofensivo. As unhas transformaram-se em garras afiadas e duras, sei disso porque ela rasgava o estofado do meu assento como se fosse uma faca quente na manteiga, além de arranhar o teto da Ferrari.
Tentei gritar, mas o deslizar dela em meu pau e a forma como me beijava selvagemente me controlavam. Senti um medo inimaginável, mas também desfrutava da melhor trepada de toda a minha vida. Não se tratava mais de dor ou prazer como os humanos conhecem, mas de uma coisa além. Algo que nosso vocabulário pode apenas tocar na superfície. Compreende? Tão intenso!
Quando emiti um urro, ela se contorceu para trás, acentuando as costelas, e depois para frente, quase em posição fetal, tocando os cortes de meu peitoral com os lábios. Na região das suas omoplatas, vi dois cortes se abrirem e um tecido membranoso começar a sair e me envolver. Eram duas asas!
Consegui falar:
—O que você é? – estava quase ejaculando.
Com uma voz serena, qualidade que contrastava demais com sua aparência infernal, ela respondeu:
—Demônio para alguns, anjo para outros – gargalhou, fazendo os meus tímpanos começarem a sangrar.
Senti algo envolver o meu pescoço e começar a constringir. Era a cauda dela. Asfixiofilia [2], amava aquilo. Sabia que estava morrendo, mas não queria parar. Quando ela notou que eu iria gozar, começou a contrair e relaxar os músculos circunvaginais rapidamente. Quase sem ar, disse chorando de terror e felicidade:
—Devore-me! Quero ser devorado! Coma cada pedaço meu! Faça-me teu escravo pela eternidade! – queria estar dentro dela, por completo. Saciá-la, mesmo que isso me custasse um preço altíssimo.
Quando o fluxo de esperma foi expelido, ela me beijou, sorvendo todo o calor de meu corpo, para depois começar a me devorar enquanto se masturbava com o meu pênis gélido. Igualmente gozando no final do banquete.
Foi assim que morri, saibam. Agora, sou apenas um espírito errante. Alimentando-me dos fluídos energéticos dos vivos. Devo ir, estou com fome. Adeus. O morto saiu do corpo da médium que se sentia esgotada, incapaz de dizer uma palavra, pela incorporação do obsessor.
—Olhando-a bem, até que você é tentadora – disse Matheus, enfiando as mãos espectrais no corpo da mulher.
[1] Subspace é um estado psicológico definido no BDSM como um ponto onde o submisso "se perde em emoções e sensações". Ocorre quando ele (a) está profundamente envolvido em uma cena, podendo colocá-lo em perigo, especialmente aqueles sem muita experiência.
[2] Asfixiofilia ou asfixia auto erótica é a prática onde é reduzida intencionalmente a emissão de oxigênio para o cérebro durante uma estimulação sexual com o intuito de aumentar o prazer do orgasmo.
Intenso como a arte de Clive Barker, homenagem bem elaborada.
ResponderExcluirAgradeço o elogio, Tânia! :) Quando tentamos homenagear um ídolo, não é fácil, mas a sensação de dever cumprido é ótima.
ExcluirComo disse Tania, uma homenagem muito bem elaborada. Você conseguiu usar uma imaginação particularmente tenebrosa, exatamente como Clive Barker. Usou muito bem o erotismo, sadomasoquismo e sexo, apenas com uma quantidade menor de sangue. Não tem como taxar essa obra como comum. Realmente não é fácil homenagear um ídolo mas você conseguiu, e com louvor.
ResponderExcluirAbraços,
Ana Luisa
Ana, agradeço por ser uma de minhas comentaristas mais assíduas. Nesse conto, decidi dar liberdade para uma imaginação mais sombria mesmo, narrar algo que acabasse tendo "vida própria". A partir de um determinado momento, a história já andava por ela mesma. Em outros momentos, pretendo explorar ainda mais esse lado mais tenebroso da minha escrita :)
ExcluirAbraços.
DAVID CARRADINE! :P
ResponderExcluirRapaz, não conhecia esse caso, mas pesquisei agora e saquei...realmente, muito semelhante.
ExcluirEd, outro trabalho primoroso.
ResponderExcluirPosso ver facilmente essa história em uma antologia como a "Erótica Fantástica" da Draco ou a "VII Demônios - Asmodeus Luxúria" da Estronho. Parabéns.
só queria te dar um pequeno toque. Em um certo ponto da história, acho que mais ou menos no momento em que vai fazer a junção entre erotismo e terror, sua linguagem se torna um pouco mais técnica, mais seca, tanto que é nesse momento que você usa os dois termos técnicos que acaba tendo de explicar no pós-texto. Isso causou uma pequena quebra do ritmo que você vinha construindo desde o início.
Não foi nenhuma grande perda, pois você conseguiu magistralmente recuperar o ritmo depois e finalizar com uma pitade de humor negro que pra mim foi como a cereja do sundae (rs).
Parabéns novamente. Esse projeto realmente promente!
Abração!
Sandro, agradeço o comentário.
ExcluirRapaz, quem sabe em breve marco o meu nome em uma antologia? Estou muito esperançoso por "Daemonicus".
Agradeço pela observação quanto à linguagem, valorizo demais apontamentos como esse, visto que almejo sempre aprender mais. Poxa, cereja, sundae...nesse conto...kkkkkkkkkkkk Freud explica kkkkkkkkk Obrigado por ler.
Abraço!
Gostei muito do conto, Ed! Fiquei até arrepiada no final porque você colocou como o relato de um espírito e isso deixou o conto mais real. Foi bem quente esse!
ResponderExcluir(Mas ainda acho que o meu preferido é aquele que você me passou para betar outro dia! ^^)
Karen, esse conto, como lhe falei pessoalmente, foi um certo "desafio" para mim, pois nunca inseri erotismo neste nível em um conto. Ainda bem que o resultado ficou bom. Sim, aquele outro tem uma "pegada" bem diferente, para você ver como podemos ir de um extremo ao outro xD
ExcluirOi, leio quase sempre os contos desse blog, e a cada conto me surpreendo com a leitura, a de hoje, antes de saber do final já imaginava ser um espirito, adorei o conto todo, e o final então foi maravilhoso...
ResponderExcluirOlá, Ieda. Que legal o fato de você acompanhar o blog ^.^ Obrigado pelas gentis palavras.
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