Existem muitas pessoas ricas no mundo. Entretanto, você só
ouve falar das “mais pobres” delas, na verdade; existem homens e mulheres tão
poderosos e importantes que pagam para não serem citados por listas de
milionários, revistas de fofocas ou, tanto melhor, por qualquer pessoa viva.
Não precisam ser vistos em baladas com modelos seminuas de seios enormes ou em
conversas com jogadores de futebol proeminentes.
Homens e mulheres que possuem mais do poderiam gastar em dez
vidas. Homens e mulheres que olham para a vida de cima. Homens e mulheres que
não precisam de sonhos; eles já possuem tudo.
A história de como a família Medicci angariou sua riqueza é
irrelevante, mesmo que a “lenda” de como um de seus antepassados enganou algum
imperador romano seja bem interessante... Dono de mais dinheiro, terras,
empresas e pessoas que se pode enumerar, Romulus era um homem que ainda demoraria
a ver o fim da vida, supunha-se, mas os cabelos e barba grisalhos e as rugas de
expressão lhe cediam um ar antigo e respeitável.
Assim, ninguém poderia imaginar seu tédio.
Na última década – até onde ele lembra, pelo menos –,
possuir tanto se tornou um fardo. Romulus não tinha mais o que almejar... Nada
para conquistar. Nem mesmo mulheres!
Para vocês terem uma breve ideia, um exemplo: digamos que
Romulus – ou um de seus iguais –, por mero acaso, tenha assistido a algum filme
ou coisa do gênero e, por mero acaso, tenha desejado aquela atriz muito bonita
e jovem e com formas interessantes. Tanto faz se é a protagonista ou uma
coadjuvante sem muita expressão; o que importa é o desejo do homem. Ligações
seriam feitas, terceiros e quartos arranjaria tudo – por bem ou por mal – e, em
algumas semanas, por mero acaso, Romulus entraria em seu quarto e a garota
estaria lá, esperando – e nunca saberia com quem passou uma ou várias noites.
Então, por mero acaso, após essa “cortesia”, a vida da atriz mudaria: se fosse
já alguém de destaque em sua área, muitas premiações e novos papéis importantes
surgiriam ano a ano; se uma irrelevante coadjuvante, em todos os próximos
trabalhos seria uma protagonista. Era assim que funcionava. E nem queira saber
quando a mulher era uma anônima ou simples transeunte...
O mundo girava para um Medicci.
E pensar que, quando jovem, quase abandonou tudo pelo
teatro, sua paixão antiga e enterrada.
Por esse e outros motivos, era difícil encontrar novas
emoções, novos desafios... Às vezes, Romulus se pegava pensando em suicídio.
Afinal, não havia mais o que ver ou fazer... Pelo menos, não como ele presumia.
Por isso, tudo mudou quando um de seus homens de confiança retornou.
“Chefe, consegui!”, o homem disse exultante, ao entrar no
escritório com um pacote em mãos. Estava vários quilos mais magro e,
obviamente, parecia muito cansado. “Foram cinco ou seis anos?”, Romulus tentou
lembrar; o sujeito era um de seus rastreadores e sua função era encontrar
coisas ou pessoas pelo mundo... Ou, no caso em questão, na África e no Oriente
Médio. Provavelmente, não foi uma boa experiência, mas o Medicci não teve o
menor lampejo de preocupação com o funcionário. Agora, tudo que importava era o
prêmio.
“Estava nas ruínas de um templo na fronteira de...!”, a
história era, certamente, incrível, mas foi interrompida com um acendo de mão
do chefe. Saiu. Nenhuma instrução precisava ser dada – todos conhecem a
história. Assim, a última pessoa que teve contato com Romulus Medicci deixou-o
no escritório com a última joia conhecida do mundo antigo.
Dentro de uma maleta que resistiria à explosão de uma granada,
enrolada em sedas muito valiosas, o receptáculo reluzia com as dezenas de
pedras preciosas que incrustavam a parte de obsidiana. A tampa era uma graciosa
caveira animal feita de jade.
Romulus passou horas admirando o recipiente. Quando se deu
conta, a maioria dos empregados já tinha partido da mansão. Logo, dispensou
todo o pessoal da segurança... Logo mais, não precisaria deles e preferia
evitar algum “visitante acidental” durante o que estava para realizar...
Afinal, nunca precisou chamar atenção para si e funcionários que pensassem em abrir a boca demais nunca
eram avistados novamente, mas algo tão fora do comum não seria tão facilmente
administrável, ele sabia reconhecer.
Em quarenta e cinco minutos, o único habitante vivo na
gigantesca propriedade era o próprio dono, Romulus Medicci. Aproveitou esses
minutos para refletir sobre o que faria logo que o que imaginava se
concretizasse. A simples ideia lhe deixava com uma alegria nervosa...
Intumescido e vitorioso, da mesma forma.
Levantou-se e dirigiu-se à mesa onde deixou o receptáculo.
Depois de hesitar por alguns minutos, removeu a tampa de jade. Nada aconteceu.
Já acreditava ter sido enganado e pretendia ordenar a morte do rastreador.
Foi aí que reparou que a sala se tornou o mais puro breu.
No limiar de sua audição, algo como o choro de crianças,
ossos quebrando e o eco de gritos distantes eram percebidos...
Então se aproximaram e tornaram-se mais claros.
O cheiro característico de brasas tomou o recinto.
O efreeti se apresentou.
Um corpo musculoso e enorme estava ereto à frente de
Romulus. Negro como carvão e com uma cabelereira em chamas, a criatura estava
nua, embora centenas de caveiras e ossos adornassem seu corpo. Sorria,
curiosamente, e seu sorriso era como uma série de lâminas brilhantes, mas
cortês.
“Um pedido, pequeno homem, e uma dádiva é concedida”, a
criatura proclamou. Romulus ignorou o “pequeno homem”; logo, seria maior que
qualquer aberração de um passado morto. Quando fez seu pedido, portanto, a
euforia tomou conta de si. Mesmo assim, tentou manter certa teatralidade.
“Eu quero tudo, espectro! Quero ser parte de toda a criação,
o fundamento dos homens e das estrelas! Cansei de ser apenas parte da
mortalidade humana e de seus jogos mesquinhos, sua pequeneza! Eu, Romulus
Medicci, sou maior que tudo isso!! Desejo ser um verdadeiro mestre do universo!!!”,
vociferou.
“E uma dádiva é concedida”, o gênio se repetiu. Seus olhos
brilharam e, se sua voz não fosse uma mera projeção sobrenatural na mente de
Romulus, o homem teria notado um tom de ironia... Maligno, talvez? Porém, nesse
momento, o último dos Medicci podia, de fato, sentir as estrelas e o cosmos
infinito.
Ele se tornara o poder.
Seu corpo era uma extensão de tudo. Compreendeu toda a
realidade em uma fração de segundo e assistiu o início e o fim de tudo inúmeras
vezes. Era, finalmente, maior que tudo que o ser humano jamais conheceu.
Ele era um quark.
E se tornou o fundamento de todo o universo.
Ótimo conto, infelizmente é assim, a ganância do ser humano pelo poder.
ResponderExcluirPois é, Ieda. A narrativa toda era para mostrar, enfim, esse ponto. Obrigado! :D
Excluir