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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Victor (Ou: “Não perca as crianças de vista”.)


“Mãe, eu preciso desligar agora. Tenho que ir. Tem algo acontecendo. Avisa a Rita.”, e Victor sentiu que a resposta de mãe a isso tinha sido dolorosa. Ela nunca tinha concordado com a carreira que ele escolheu e, agora, as coisas estavam ficando piores a cada dia, literalmente. “É como em O Espírito do Mal. Ela tem razão.”, refletiu enquanto corria em direção à viatura. O sargento Almeida fazia gestos muito violentos, indicando a urgência da situação.

“Parece que rolou uma desinteligência muito séria na Praça da Independência, cabo. ‘Bora logo.”, e já foi arrancando antes mesmo de Victor estar com todo o corpo dentro do veículo. Contudo, a praça ficava a menos de um quilômetro dali – era algo mais grave do que aparentava, pelo jeito. E isso era péssimo, com certeza.

As ocorrências das últimas semanas tinham sido realmente perturbadoras. O negócio do adolescente tinha rendido muitos problemas. A história toda rendeu dias e dias nos noticiários. Victor mesmo apareceu em alguns deles, com a coisa da fuga e tudo mais. Era como se todo o país apontasse o dedo e recriminasse: “Onde se viu, um bando de marmanjos treinados deixar um moleque de dezessete anos matar tanta gente e escapulir como se fosse mera brincadeira?!”... A verdade, na real, tinha sido bem pior.

***

Quando chegaram à praça, repararam que estava praticamente vazia, e isso não era normal; além dos transeuntes, ocasionais vendedores e uma ou outra pessoa aproveitando para descansar ou, muito mais raramente, brincar, a praça era, durante o dia, um conhecido ponto de drogadição... Durante a noite, era “terra de ninguém”. Os poucos que ainda ali estavam eram crianças. Mas, pela aparência, eram crianças de rua, usuários, marginais...
“Essa é a maior merda que tem”, Victor refletiu.
O sargento estava alguns passos à frente, e se dirigia para o local onde foi requisitado apoio: a guarita de vigilância. Sim, a praça possuía um pequeno grupo de seguranças, um serviço terceirizado pela administração municipal. Na real, só estavam ali para impedir vandalismos e algo mais urgente, não para lidar com o que se seguiu...
Victor não deixou de se surpreender quando viu que uma equipe da SAMU atendia um dos seguranças particulares... Ele estava com a face coberta de sangue, não dava para entender muito bem. Até o Almeida soltou um murmúrio de choque, quando compreendeu o que acontecera: o sujeito, um cara forte de uns vinte e poucos anos, estavam sem um dos olhos. E dava pra se ver, claramente, em algumas partes da carne ainda sangrando, a marca de dedos!

***

Mais de seis dias se passaram até Victor poder voltar para casa. Primeiro, recuperando-se no hospital. Depois, escrevendo o relatório e explicando várias vezes o que ocorreu, de fato, naquela pequena sala da guarita. E ele ainda nem teve coragem de entrar em contato com a família do sargento Almeida e prestar suas condolências...
E levou mais de um mês para contar para sua mãe e para sua noiva o que aconteceu:

“Mãe, Rita... O que eu vou contar não pode sair daqui, entenderam? É sério. Se amanhã ou depois não estivermos juntos, ou se nos mudarmos para, sei lá, Austrália, mãe, não podem falar disso com ninguém. Nunca.”

“Quando chegamos na Praça e andamos até a tal da guarita lá, eu reparei que tinha algo estranho no ar. Aquela molecada, tudo com a idade do seu irmão, Rita, tava quieta demais. E isso não é comum; essas crianças viciadas em thinner, em loló, tão sempre ativas. Dessa vez, elas tavam com medo, isso sim! Eu entendi parte do medo quando vimos aquele rapaz sem metade da cara... Tinham arrancado o olho direito dele... Com as mãos! O sargento tentou perguntar o que rolou, mas o pessoal da SAMU não abria a boca e o coitado tava num estado de choque fodido. Saca quando o olho – o olho que ficou, quer dizer – fica travado, perdido?”
“Deu que entramos na guarita. E juro por Deus, ainda não boto fé no que vi; outros seis colegas – a Ana tava lá, também, Rita, e está bem, eu acho –, mais dois da Civil e o pessoal da segurança dali lutando para segurar um menininho de oito anos! Oito anos!! Lembra a sargento Flávia, mãe? Tava lá, também... E com os dois braços quebrados! Faz pouco tempo que ela me contou que o moleque não tinha nem tocado nela quando aconteceu, mas foi logo que a coisa piorou.”

“Pelo que contaram, o menino, o Matheus... Viu, mãe? Sempre têm nome de santo, mesmo... O Matheus era mais um daqueles coitadinhos ali, viciados. A tia dele, que cuidava dele, na real, estava lá, também, e contou tudo. Que faziam dois anos que ele vivia na rua. Mas parece que ela foi a primeira que o SAMU levou... Depois, um dos meninos da praça contou que o Matheus não dormi ali. Dormia em outro lugar, que ninguém sabia onde. Eu tenho uma suspeita, mas... Enfim. Começou quando alguém apareceu com um doce e não deu para ele. Dizem que ele não queria um pedaço, queria a coisa toda. O outro não deu e o Matheus partiu pro soco. E ia matar! Nisso, apareceram os seguranças e a coisa piorou muito.”

“Quando levaram ele pra salinha, foi quando machucou o segurança. Acho que era Eduardo, o nome. De qualquer forma, isso deixou geral apavorado! Ninguém viu o que aconteceu, só o rosto do carinha em puro sangue! Quando foi chegando mais gente, parece que a fúria do Matheus foi aumentando. E gritava, e gritava, e gritava! Variava entre ‘Vou matar vocês tudo, filhos das putas’ – desculpa, mãe – e ‘Me mata! Me mata logo, então!” e, nesse meio tempo, conseguiu pegar um dos nossos cassetetes. Foi quando o Almeida caiu... Só tinha desmaiado, a princípio, mas...”

“Não sei se consigo colocar em palavras, para vocês duas, o que aconteceu, daí. Olha, eu... No hospital, passei dois dias chorando. Chorando de verdade. Não pelo Almeida, não pelos caras que nem conhecia, mesmo que eles merecessem isso. Eu não estaria aqui, aliás, se o sargento e um soldado não tivessem parado na minha frente por coincidência, ó.... Eu chorei pelo Matheus. Tipo, como alguém deixa o filho ir morar na rua e viver tudo aquilo, saca? Como isso pode acontecer com crianças? Para muita gente, aquilo seria mais uma estatística, mais um ‘marginal’, um ‘problema social’. Eu só vi medo e tristeza, sabem? Só isso. Solidão. Um criança sozinha no mundão. Até que algo a encontrou e... Não sei como poderia criar filhos, um dia, sabendo o que tem, de verdade, no mundo. Porque algo aconteceu, ali. Ninguém acredita em mim, e vocês podem não acreditar, mas o Matheus gritou de pavor, enquanto lutava para fugir da gente e seu corpo começou a inchar, contorcer e... Aquele brilho verde, eu--!”

Victor se silenciou. Dona Carmen se benzeu e segurou a mão do filho. Segurou com força, com fé. Quando Victor olhou para ela, viu que havia alguma compreensão do que ele presenciou. Nisso, uma lágrima correu pelo rosto de Rita enquanto se aproximava dele:

“Eu tô grávida.”





8 comentários:

  1. Conto tenso e intenso... Mas confesso que o final ficou bem confuso e perdido pra mim. Me pareceu que cortou algum pedaço, porque da parte que ele tá falando que apareceu aquela luz verde já corta pra ela dizendo que ta gravida e pluf acaba... Sei lá, pra mim tudo se perdeu ali... O conto que vinha pegando forma e ritmo sumiu.

    Eu gostei bastante da forma como acabou, dela dizendo estar gravida, porque casou bem com o fato de ele não saber como criaria uma criança e talz, mas ficou perdido o que de fato aconteceu com o menino, se era algum efeito de uma droga nova ou se era algum motivo alienigena, o que era aquele brilho verde (que só surgiu naquele instante) ficou realmente a sensação de que um paragrafo foi engolido. Pelo menos pra mim... Acho que se tivesse usado esse brilho verde pra deixar subentendido alguma coisa (fantasmagorica ou alienigena, ou qqr coisa do genero) teria ficado bem interessante e não teria fragmentado... Ou até não usado o brilho verde que, pra mim, da forma como está a historia ficou meio dispensavel e deslocado rs

    Mas parabéns pela ideia, a historia é realmente muito profunda. Mexe com um terror da sociedade...

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    1. Para falar sério, agora, se você reparar bem, verá que "Brenda" e esse fazem perta da mesma coisa. Esse lance aí tem uma explicação já definida. :D

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  2. Narrativa agradável, prende mesmo o leitor, e eu poderia até comentar que deixou tudo no ar, mas já vi o TO BE CONTINUED acima, haha. O texto ficou muito show, parabéns! E, se for continuar mesmo, vai ser legal de acompanhar! Sucesso no projeto do Um Ano de Medo!

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    1. Obrigado, Rod-- Rofoldo! :D

      Sou mesmo do tipo que não curte explicar tudo de cara, mas já tenho roteiro definido para uma história do passado da mãe do Victor - daí, sim, algumas explicações surgiram e outras relações. Como você pode ver, Victor esteve envolvido com o que aconteceu em "Brenda", e isso sugere muito mais. ;)

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    2. Acabei de ler Brenda, ainda não tinha visto, mas também foi outro conto bem bacana, parabéns! Se seguir nessa linha, dá pra moldar uma série 'cabulosamente' agradável, haha Mantenha o padrão e tu consegue um salto do virtual para os livros em breve, e merecido! Parabéns!

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  3. Não acrescento nada, nem removo nada do que a Engel disse no primeiro parágrafo. Quando estava perto do orgasmo travei tudo e brochei.

    Espero que o ritmo e energia do inicio do conto se espalhem pelas continuações, e não se percam como foi no fim deste conto.

    Estava ótimo, perfeito, mas sei lá... Em algum momento se perdeu.

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