Será que um dia irão esquecer o que fiz? Creio que sim, pois a humanidade sempre terá outros casos mais malignos que o meu. E o passado, além disso, não dá lucro. Meu tempo aqui, presa, prova-me diariamente que nada melhor que um dia após o outro. Com o passar dos dias, meses e anos eu me tornarei uma pálida lembrança, algo a se esquecer, algo que não dá mais lucros para a imprensa ou aos advogados. Reclusa estou e é assim que provavelmente morrerei.
Mas nem tudo foi sempre assim. Houve uma época em que eu era bela, rica, cobiçada. Meus dias eram um conto de fadas, mesmo com todos os problemas que há em uma família. Eu era feliz e nunca valorizei de verdade essa felicidade. Aliás, praticamente todos nós jamais damos o devido valor ao que temos, até que o perdemos...
Eu não perdi minha felicidade. Eu a estirpei da minha existência. Agi como um cirurgião e removi, definitivamente, a alegria da vida. Por impulso, medo, covardia, ganância... não importa o motivo, pois os resultados são irreversíveis.
Assisto o que fiz todos os dias. Não há como evitar. Não há como esquecer. Ao contrário dos espectadores lá de fora, meus erros me perseguem como um animal que precisa matar para sobreviver. E, cedo ou tarde, serei alcançada.
E o que fiz? Eu dei fim a quem me pôs no mundo. Matei, com a ajuda de outros, meus pais. Não mais importam os motivos, já que os resultados são inalteráveis. Não vou me justificar. Não vou amenizar. Mesmo que saia daqui, a culpa me acompanhará. E esse é um castigo doloroso.
Não sintam pena de mim. Não sou inocente. Mesmo que o sangue deles não tenha respingado em minhas mãos, minha boca ainda sente o gosto. Eu sorvi o sangue de meus pais indiretamente. Eu vi os últimos segundos de suas vidas e ainda posso ouvir o som de seus ossos sendo amassados, quebrados. Mas o pior, o que mais me atormenta, é a última palavra de meu pai: "filha".
Preciso falar mais? O que querem que eu faça? Suicídio? Não, isso não acabaria com o que está acontecendo, não diminuiría o meu crime. Sim, o crime é meu pois, mesmo não tendo batido neles, a ideia é minha. A mente por trás de cada movimento é a minha. O erro é meu.
Alguns podem julgar que já estou pagando. Presa, sem meu luxo, o dinheiro, os parentes, o irmão. Perdi quase tudo que me mantinha ligada a este mundo. Perdi a liberdade e o amor. Entretanto, tudo isso não me foi tirado, já que eu mesma arremessei cada coisa e pessoa que amava em um precipício. Eu me despi dos pudores e do convívio, joguei ao chão o respeito e a piedade. Eu fui meu próprio carrasco.
Agora, condenada, passarei muitos e muitos anos enjaulada, longe do mundo real. Aqui, entre outras feras, lutarei dia a dia por um pouco de ar e pela vida, mas cada noite é pior que a outra. Não há como dormir em paz. Não há como repousar. Tenho medo de ser morta pelos mesmos monstros que convivem diariamente comigo.
Eu acredito que alguns de vocês devem estar pensando que isso já é um grande castigo. Não sabem como estão errados.
O pior de tudo chega com a noite. Não bastasse a hipótese de morrer no fia da faca de outra detenta, eles insistem em me abordar. É por isso que tenho plena certeza de que não morrerei velha. Ouço seus lamúrios.
Todas as noites eles voltam. As faces marcadas, deformadas e os dedos em riste indicando que eu preciso pagar. Eles não estão satisfeitos com a justiça dos homens e eu sei que estão corretos. Mas não tenho coragem.
A mim, maldita e culpada, resta-me apenas sorrir. Contudo, não é um sorriso de felicidade. Estou morta em vida. Os lábios que se expandem em um largo sorriso não refletem alegria ou esperança. Em cada expressão de alegria se escondem o medo, a culpa, as acusações e, principalmente, as palavras de meus pais que pedem incessantemente: "junte-se a nós, filha. Ainda a amamos..."
E o que fiz? Eu dei fim a quem me pôs no mundo. Matei, com a ajuda de outros, meus pais. Não mais importam os motivos, já que os resultados são inalteráveis. Não vou me justificar. Não vou amenizar. Mesmo que saia daqui, a culpa me acompanhará. E esse é um castigo doloroso.
Não sintam pena de mim. Não sou inocente. Mesmo que o sangue deles não tenha respingado em minhas mãos, minha boca ainda sente o gosto. Eu sorvi o sangue de meus pais indiretamente. Eu vi os últimos segundos de suas vidas e ainda posso ouvir o som de seus ossos sendo amassados, quebrados. Mas o pior, o que mais me atormenta, é a última palavra de meu pai: "filha".
Preciso falar mais? O que querem que eu faça? Suicídio? Não, isso não acabaria com o que está acontecendo, não diminuiría o meu crime. Sim, o crime é meu pois, mesmo não tendo batido neles, a ideia é minha. A mente por trás de cada movimento é a minha. O erro é meu.
Alguns podem julgar que já estou pagando. Presa, sem meu luxo, o dinheiro, os parentes, o irmão. Perdi quase tudo que me mantinha ligada a este mundo. Perdi a liberdade e o amor. Entretanto, tudo isso não me foi tirado, já que eu mesma arremessei cada coisa e pessoa que amava em um precipício. Eu me despi dos pudores e do convívio, joguei ao chão o respeito e a piedade. Eu fui meu próprio carrasco.
Agora, condenada, passarei muitos e muitos anos enjaulada, longe do mundo real. Aqui, entre outras feras, lutarei dia a dia por um pouco de ar e pela vida, mas cada noite é pior que a outra. Não há como dormir em paz. Não há como repousar. Tenho medo de ser morta pelos mesmos monstros que convivem diariamente comigo.
Eu acredito que alguns de vocês devem estar pensando que isso já é um grande castigo. Não sabem como estão errados.
O pior de tudo chega com a noite. Não bastasse a hipótese de morrer no fia da faca de outra detenta, eles insistem em me abordar. É por isso que tenho plena certeza de que não morrerei velha. Ouço seus lamúrios.
Todas as noites eles voltam. As faces marcadas, deformadas e os dedos em riste indicando que eu preciso pagar. Eles não estão satisfeitos com a justiça dos homens e eu sei que estão corretos. Mas não tenho coragem.
A mim, maldita e culpada, resta-me apenas sorrir. Contudo, não é um sorriso de felicidade. Estou morta em vida. Os lábios que se expandem em um largo sorriso não refletem alegria ou esperança. Em cada expressão de alegria se escondem o medo, a culpa, as acusações e, principalmente, as palavras de meus pais que pedem incessantemente: "junte-se a nós, filha. Ainda a amamos..."
Wow!!! Esse caso foi um dos que mais me chocou na época, achava algo tão impossivel... Era muito jovem pra compreender a extensão da maldade humana...
ResponderExcluirMas você o abordou por outra ótica, e ficou realmente muito bom! Parabéns!
Eu sempre penso (talvez como forma de minimizar o ódio) que o pior castigo para pessoas como ela seja, no final, a culpa e a dor de não poder reverter o que foi feito.
ExcluirObrigado pelo comentário, Engel...
Oi, Franz.
ExcluirBom texto, percebi a referência e o seu desejo de que a personagem sofra com a culpa, mas conhecendo o caso do lado psicológico acho isso impossível por, aparentemente, se tratar de um caso clássico de psicopatia, ou doença moral, onde não há qualquer desenvolvimento de culpa.
Gostei como você colocou os "espíritos" dos pais dela chamando-a, e acho mais verossímil que a culpa.
Bom trabalho e grande abraço!
Assim que terminei o terceiro parágrafo, o nome Suzane me veio na mente.
ResponderExcluirEu até lhe daria parabéns por ter escrito como se fosse a mente da Suzane, mas não. Lhe darei parabéns por ter escrito o que queremos que ela pense. Não sei se ela tem tanto remorso assim.
Só fico pensando: A humanidade já é o suficiente aterradora. O que os humanos fazem já tem todo o horror e crueldade que nem o pior dos demônios pode conseguir. - É o que tem motivado e inspirado minha escrita e vejo que também te motiva. - A crueldade humana é infinita.
A mente e o coração das pessoas são insondáveis. É algo difícil de imaginar, mas, como disse ao Edilton, passei a noite com essa concepção na cabeça.
ExcluirEu também não quis me por no lugar da covarde, pois também acredito que não há remorso em seus atos. O que eu quis expressar, e você captou bem, é o desejo de que ela passasse pelo que descrevi. Não há castigo maior que a dor de conviver com os fantasmas de nossos erros. O corpo pode até não aparentar, porém a alma definha.
Obrigado pela força, brother.
Você foi perfeito aqui Franz, na dose e na potência, mas principalmente por fazer TODOS os que leram este conto pensar sobre os limites da crueldade humana e sobre o quão grande a dor da culpa pode ser.
ExcluirCara, muito obrigado pela moral. É bom ter um retorno tão legal.
ExcluirAbraços.
Adoro contos baseados ou inspirados em histórias reais. Acho interessante porque mostram que, por mais que nos esforcemos, nem mesmo a concepção artística mais doentia pode se comparar a crueldade real. Essa é, na minha opinião, a graça em histórias de terror. Enquanto nós rimos e nos divertimos quando levamos um susto que sabemos que não é real, do outro lado existem monstros tão cruéis quanto e contra os quais não podemos lutar... Divaguei demais só pra dizer que adorei a história Franz rsrs
ResponderExcluirEdilton, eu escrevi muito rápido essa história. Na verdade, no dia anterior à publicação eu dormi com a idéia na mente. Sempre penso que o pior castigo para um crime como esse é o remorso, a perseguição dos bons momentos vividos em contraponto à desgraça provocada pela ganância.
ExcluirObrigado pelo elogio, meu brother.