As manhãs eram a pior parte do
dia. Eram solitárias e vazias. Mesmo quando aquela desconhecida que aparecia
frequentemente estava na casa, não havia nada que fosse digno de nota. Os muros
altos impediam o contato com qualquer outro que, por acaso, poderia estar por
perto – e garantir alguma emoção. Por isso, dormir e esperar eram as opções.
Dormir, esperar...
Só que isso estava mudando. Não
saberia precisar quando, mas era um fato recente: em uma noite, a sede o
despertou e, logo, levantou-se para saciá-la. No caminho, algo pareceu errado,
fora do lugar... Invadindo. Assim, caminhando de um lado para o outro,
procurando em todas as direções possíveis, não conseguia encontrar o que gerava
aquela sensação. Não demorou para que algo selvagem tomasse seu espírito. Uma
ameaça, mesmo que suposta, a tudo que ele prezava não podia ser ignorada.
Assim, passou todo o resto da noite em alerta... Contudo, nada ou ninguém se
mostrou.
Ele podia esperar.
***
Os dias seguintes – e as noites –
foram sem acontecimentos importantes. Mas somente até certa manhã; finalmente,
ele tinha companhia, mais uma vez! E sua alegria com aquilo era desmedida. Seu
amor por eles era desmedido. Por isso, ao longo dos vários dias que pode
usufruir do carinho e da aventura que era aquela convivência, seu sono era
extremamente profundo, um vácuo do qual ele só saia quando acordava ao primeiro
chamado de seu nome. E tudo se repetia.
Porém, isso mudou.
Em outra noite, novamente
despertado por uma sede ainda maior, ergueu-se e saiu de sua cama para ir até a
fonte d’água – sabia que não devia, mas a água era mais fresca e “divertida”,
ali. Nisso, novamente, aquela sensação horrível retornou.
E, desta vez, ele encontrou o
motivo.
Aquilo já era um erro por, aparentemente, existir neste mundo, mas isso
não foi um pensamento consciente – foi algo mais antigo e inerente que percebeu
isso. Mas o maior erro estava no fato daquilo
estar tentando invadir a casa maior! As crianças! O perigo! Não podia
continuar!
E ele fez o que era necessário.
E, quando correu para destruir
aquele invasor, a percepção de dois aspectos que nunca poderia verbalizar – ou,
conscientemente, compreender – concederam-lhe a certeza de seus atos.
Estava fazendo algo que fora
criado para fazer, assim como todo seus ancestrais.
E aquele brilho colorido e
fantasmagórico era incoerente com os constantes tons de cinza de toda sua
existência.
Disso, seguiu-se apenas fúria.
***
A manhã deveria ser como qualquer
outra. Quando Kelly abriu a porta para os pátios dos fundos, o sorriso já
preenchia seu pequeno rosto:
“Campeão? Vem cá, garoto!
Campeã-ô!”, exclamava, enquanto se voltava para buscar Júnior – com apenas três
anos, o menininho não conseguia acompanhar os saltos e corridas da irmã.
Nisso, percebeu que Campeão ainda
estava deitado, mas do lado de fora de sua casinha. Se esforçando para carregar
o nenê, se aproximou para começar mais um dia do lado daquele muito amado
amigo.
Contudo, a gritaria e o desespero
que se seguiram não condiziam com aqueles sentimentos. Seu grito por socorro
foi tão sofrido e primitivo que fez seu irmão chorar como se tivesse sofrido um
ferimento mortal – o que poderia ser visto como verdade, apesar de não entender
o que acontecia. O pai e a madrasta correram para atender o chamado, mas a
reação, dadas as proporções, não foi muito diferente. Quando se aproximaram das
crianças, e do corpo destroçado de Campeão, com todos aqueles sinais de luta
selvagem, não puderam conter as lágrimas – lágrimas doloridas, daquelas que
nunca se esquece.
E, depois, foi Isadora que
percebeu o que tinha gerado todo aquele horror. Quando o marido voltou de
dentro da casa, depois de levar as crianças e pedir a dona Helena que às
atendesse, momentaneamente, só pode apontar com uma mão trêmula enquanto
segurava um grito apavorado.
Não muito longe de Campeão, uma
igualmente destroçada e, supostamente, morta atrocidade estava no gramado – só
depois, na verdade, notariam que partes da vegetação tinham apodrecido, aqui e
ali – e ainda mantinha algo bioluminescente, peçonhento... Primitivo.
Bem interessante colocar a visão do cão. Um tom de mistério em tudo, só não gosto muito de ficar curiosa esperando o próximo capitulo da novela, mas tenho de aprender a conviver com as frustrações rs
ResponderExcluirParabéns Mano!
Huehuehuehue!
Excluir...Sou maligno. E matei o cachorro.
E é culpa do Edgar Rice Burroughs, isso. :P
Na real, esse faz as vezes de um epílogo, explicando algo de "Victor" e preparando terreno para o próximo.
Opa, aplausos para o Campeão e para a coisa feia que ele matou, haha Conto bacana, ainda mantendo o ritmo dos anteriores e a escrita digna de nota, meus parabéns! Continue assim nas quintas-feiras, pois sempre é bom deparar-se com histórias do tipo para leitura (ainda mais gratuita, haha). Sucesso!
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ExcluirValeu, meu brother!
"Esquilo!" http://www.youtube.com/watch?v=wr-zf8mXhcg
ResponderExcluirHuhashuahuahuhauhus, não pude deixar de imaginar essa cena! XD
Ótimo conto, Mano. Cachorros tem umas coisas estranhas, uma sensibilidade meio absurda e faz coisas que apenas cachorros sabem fazer. Good Work!
Gostei! Não é fácil captar a perspectiva de um cachorro (ou ao menos suponho que não seja fácil - nunca tentei), porque envolve se colocar no lugar do personagem, pensar como ele, etc..
ResponderExcluirDeve ter sido divertido criar esta cena. Confesso que para mim, enquanto leitor, foi bem divertido lê-la.
A escolha de palavras (como "intruso", para se referir à coisa que o Campeão enfrentou) e o peculiar fluxo de pensamento realmente me deram a impressão de estar vendo através dos olhos de um cão. E, claro, deixou tudo mais intrigante.
Parabéns!