Como
nas últimas noites, Aldemar não conseguia dormir, então passava mais uma
madrugada navegando em sites pornográficos e conversando com garotas ingênuas.
Algumas das quais caiam em sua lábia peçonhenta e lhe proporcionavam um
espetáculo particular de depravação. Eis o seu principal entretenimento, mesmo
com o tormento que vinha enfrentando.
Ele
trabalhava desenvolvendo páginas na internet, o que permitia ficar quase todo o
tempo em seu território de caça. A sua vida offline se restringia ao
absolutamente necessário, transações financeiras eram feitas unicamente pela
internet. Até mesmo a higiene pessoal frequentemente ficava no esquecimento.
Mais
um vídeo pornô terminou de ser assistido e Aldemar mudou para a aba que mostrava
a caixa de entrada de seu e-mail. Viu “Twitter
– você recebeu uma mensagem direta”, alterou para a janela da rede social,
temendo que fosse a mesma coisa das vezes anteriores. Ao clicar para checar a
mensagem, enxergou: “Te sigo, me segue
de volta?” Era um perfil dela, mas como tal coisa seria possível? Será
algum policial? Um familiar? A temperatura parecia ter aumentado e Aldemar
expelia de seus poros um suor fétido como comida azeda.
Esfregou
as mãos na face com nervosismo, como se a ação pudesse corrigir o que estava à
sua frente.
—Tenho
de verificar... – declarou com um tom de voz fraco.
Executou
o comando de
desligar do computador e saiu de seu quarto, rumo ao banheiro que ficava nos
fundos da casa. Queria tomar uma aspirina, sentia uma dor nascer em sua cabeça.
Pegou o pote de remédio
no armário, localizado em cima da pia, engoliu três comprimidos e o largou no
chão. Saiu de casa, esbarrando nas montanhas de lixo acumulado pelo caminho. Na
verdade o lixo, para ele, era como uma extensão de seu espírito.
O
manto da noite fez seu caminho até o cemitério público de Jaraguá ser
tranquilo, encontrou apenas um morador de rua que murmurava palavras
incompreensíveis após ingerir o seu veneno diário, o álcool.
Em
frente ao portão do cemitério, levantou o capuz de seu casaco, não pretendia
ser identificado pelo vigilante ou um transeunte ocasional. Aproximou-se mais,
olhou para a minúscula cabana localizada perto da entrada, que servia de abrigo
para o homem
que mantinha os arruaceiros longe do local, garantindo a paz dos mortos. Por
meio de uma fresta, viu que o vigilante cochilava. Olhou ao redor, ninguém
próximo. O muro era baixo e foi um obstáculo fácil de ser vencido, apesar de
Aldemar estar muitos quilos acima do que seria considerado saudável.
—Okay,
onde fica mesmo? – apesar da importância disto, a sua mente estava agitada
demais para conseguir lembrar o caminho rapidamente – Acho que é por aqui.
Andou
pelas estreitas e sombrias ruelas, tentando ignorar as fotos dos mortos fixadas
nos jazigos e o olhar de alguns anjos de pedra que pareciam julgá-lo. Durante o
trajeto, foi acompanhado por alguns gatos que apreciavam o lugar, até ficar
diante de um túmulo marcado por uma cruz de madeira. A família dela era muito
humilde, logo não podia custear um enterro mais apropriado para aquela que
chamavam de anjinho.
Aldemar
ajoelhou-se, sentindo pela primeira vez na vida um enorme peso nas costas.
Retirou
de um dos bolsos de sua calça jeans um recorte de jornal. Era uma manchete que
dizia: “Menina de quinze anos é
encontrada morta e despida na praia da Pajuçara, a única coisa encontrada ao
lado do cadáver foi uma caixinha de música”. A polícia suspeitava se tratar
de um caso de aliciamento por meio da internet, uma vez que os pais da garota
declararam às autoridades que a menina passava cada vez mais tempo no
computador e dizia amar alguém. Contudo, nenhum suspeito chegou a ser preso.
—Me
perdoe...eu...nunca quis... – Aldemar chorava como uma criança e soluçava – Não
suporto mais este tormento, vou me entregar amanhã, se é isto que você deseja.
Vou me entregar, ouviu? – as lágrimas aumentaram e ele encostou a sua testa na
terra, como se quisesse garantir que ouvisse uma resposta.
Em
meio aos miados dos gatos que presenciavam a cena, Aldemar chorou mais e em
suas costas uma caixinha de música começou a tocar uma cantiga infantil.
♫ Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pra ver, só pra ver meu bem passar.
Nessa rua, nessa rua tem um bosque, que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração.
Se eu roubei, se eu roubei teu coração, tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, foi porque, só porque, te quero bem ♫
Na manhã seguinte, o corpo foi encontrado pelo vigilante em cima do túmulo com um buraco onde deveria ficar o coração. Estranhamente, um sorriso estampava seu rosto.
Particularmente eu adoro os contos do Ednelson, todos eles!!! A imagem escolhida me causou calafrios e todo o clima foi bem tenso!
ResponderExcluirAmei!!!!
Agradeço por você gostar. Você me ajudar bastante a lapidar as ideias.
ExcluirMuito bom Ednelson, parabéns!!! sombrio...
ResponderExcluirObrigado, espero que o conto tenha lhe causado medo mesmo. kkkkk
ExcluirNossa muito bom! Parabéns!
ResponderExcluirAdoro contos rs
bjs
http://mundoliterando.blogspot.com.br/
Obrigado pelas palavras gentis, Marcia. Visito o blog todo dia e você terá um conto diferente ;)
ExcluirBeijos!
Hora de um comentário bizarro: Esse texto me lembrou Dead Space. Não pela história ou qualquer coisa do gênero, mas por causa desta música:
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=jRXQsQKGqIU
Você conseguiu me causar o mesmo efeito de quando ouvi essa musica pela primeira vez! Você transformou uma gentil cantiga infantil em uma história medonha. Congrats!
Isso sem contar na melhor imagem EVER! PQP só de vê-la já assusto! XD
ExcluirA ideia era justamente construir um terror a partir de uma coisa infantil, particularmente, adoro a mistura crianças e terror.
ExcluirTensíssimo! O_o
ResponderExcluirEsse negócio de misturar crianças com terror sempre dá samba. Crianças são aterrorizantes...
Crianças e terror, dois ingredientes excelentes para garantir arrepios. Obrigado por comentar.
ExcluirBrother, o que dizer? O conto oscila entre o mundo virtual e o real, mas é o final que marca realmente o verdadeiro campo onde tudo ocorre.
ResponderExcluirO uso das redes sociais, a mensagem, o vício do tarado por internet... tudo muito bem estruturado.
Também curti demais a imagem e a associação com o conto. Show!
Parabéns, meu brother. Que muitos outros venham...
Agradeço as palavras e o apoio, Franz! Estar nesse projeto está sendo estimulantes demais! Muitos outros ganharão vida!
ExcluirAdorei o conto Ed!! Tenso até o final. Você escreve super bem, parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado pelas palavras tão gentis! Escrever, significa muito para mim.
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