A poeira decrépita de dias
calados e insanamente pontiagudos rodava turvando levemente a paisagem
amarelada e quente. O sol vilão e magnânimo reluzia seus cruéis raios sem menor
sinal de piedade pintando a terra seca, o céu, e tudo mais que se pudesse ver
de dourado, o dourado velho da seca, que muito se desejaria afastar dos dias e
dos tempos.
A pequena casa feita de barro
refletia o brilho macabro da uma hora da tarde, ao se aproximar, o homem já
passado dos seus cinquenta anos, por mais que houvesse se intimidado pelas
carcaças dos animais, algumas ainda cobertas de moscas, e pelo cheiro, continuou
seu caminho até a porta da casa. Do lado de dentro, a jovem vestida em seu
vestido preto assistia a sua chegada e para si murmurou num sorriso:
- Já era tempo!
Ailã era uma bela jovem, dessas
de beleza rara, mas que devido a complicações decorridas do momento em que
viera ao mundo, com frequência mancava.
Ela abriu a porta sem pressa
alguma e encarou, ardilosa, aquele que fazendo barulho com suas botas, adentrou
ao escuro ambiente protegido do sol que era a casa da bruxa.
Austero, mas no fundo
desesperado, ele começou um discurso desnecessário sobre o pagamento, que
nenhuma quantia seria problema caso sua vontade fosse consumada.
A jovem sorriu, lendo nos olhos
do velho seu passado de sortes e cretinices. Não haveria mesmo dificuldades em
pagar o valor que fosse. Há muito tempo havia descoberto petróleo na parte que
lhe pertencia da vila seca, triste, e levemente afastada onde vivia. E desde então,
o ouro preto brotando da terra, fez a fortuna dele.
A moça o fez sentar-se à mesa no
centro de sua sala, que possuía aos pés de todos os móveis, violetas e rosas
brancas, muitas já murchas. E igualmente rápida, ela serviu um chá de cheiro
forte para si e para o velho e acomodou-se em uma cadeira à frente de seu convidado.
- Então vamos lá, homem. Tenho
pressa. – disse a bruxa com certo desdém - Como eu posso te ajudar?
Nada que o homem lhe disse foi
novidade. Velho e solteiro desejava desposar determinada moça cheia de curvas
sinuosas e pele bronzeada, porém, muito jovem e nada ambiciosa.
- Tudo bem, parece muito claro.
Mas, então, vamos falar sobre meu pagamento. – ela cortou os relatos cheios de
forçado drama do cliente, indo ao que
lhe interessava.
- Só dizer a quantia. Se quiser
receber até mesmo em ouro, eu o tenho em regalia.
Ailã gargalhou fervorosamente,
tremendo seu corpo e jogando sua cabeça para trás. Feito reflexo, os abutres
que se dividiam nas refeições de animais mortos atrás de sua casa, voaram para
o céu, talvez afugentados, ou para participar do gozo da benfeitora de suas
refeições.
- O senhor realmente é muito
engraçado, não acha? O que lhe leva a pensar que quero seu dinheiro? Não,
homem, isso eu não quero. Quero algo mais valioso, algo que tenha valor para
mim... – encarou-o - e para o senhor.
Feito um verme gélido, sua
espinha eriçou em
receio. Calafrio esse que se manteve a lhe incomodar, ao
tempo que o suor do dia quente lhe caia da testa sobre os olhos.
- Como, por exemplo? – indagou o
velho ao enxugar a tez com um lenço, enquanto tentava não aparentar surpresa ou
temor diante a jovem.
- Seu filho!
O velho, muito surpreso, buscou
disfarçar sua confusão.
- Todo mundo sabe que minha
falecida esposa nunca me deu um filho...
- Não, não faça isso –
interrompeu-lhe a bruxa. – Eu sei de muito mais coisas do que o senhor imagina.
Eu falo de seu filho bastardo.
O velho tomado em ódio
levantou-se e desferiu sua raiva em gritaria contra a bruxa:
- Criatura insolente dos
infernos, por mim chega, já basta...
E mais uma vez a bruxa gargalhou:
- O que há? Ah, o senhor
realmente me subestima. Eu não erro, nem falho. Eu sei que traiu sua falecida,
e que Deus a tenha, sofreu tanto coitadinha dela. E sei que não foi só uma vez,
e sei que foi com várias mulheres. E de repente, um filho! Um belo varão
robusto, forte, moreno de cabelos longos, que por sinal, desconhece toda a
história. Não é engraçado, meu senhor?
O coração do velho disparou, mas
ele não teve tempo nem de se recuperar, e nem de responder.
- Mas, o que eu quero é muito,
muito simples. Mande-o vir aqui durante a madrugada seguida do dia do seu
casamento, diga a ele que a bruxa precisa de um favor qualquer. Por volta do
meio-dia do dia que nascerá em seguida, ele estará de volta, trabalhando e são
e salvo para o senhor.
- O que vai fazer com ele? -
Disse o velho ainda assustado.
- E isso lá é da sua conta? – ela
deu de ombros. - Bom, meu senhor, esse é meu preço.
O velho ponderou por alguns
segundos:
- Escute aqui bruxa, se algo
acontecer com meu filho...
- Ah, chega de ladainha, se algo
acontecer mande seus capangas virem atrás de mim.
Convencido, o velho concluiu:
- Então, temos um acordo. – mais
uma vez ele parou para enxugar seu suor com o lenço já muito úmido – Feito,
bruxa!
Ailã levantou-se sem presa, e
mesmo mancando, foi com graça até o armário de madeira onde guardava suas ervas
e retirou de lá um frasco de vidro repleto por um pó verde.
- É sorte sua – disse a bruxa –
que seu desejo é simples, não precisarei de seu sangue – disse ela enquanto
sorria com malícia - E nem mesmo matar alguém. - Encarou-o – Chame a jovem para
conversar, sirva-lhe algo qualquer para beber e junte à bebida esse pó. Mas, o
senhor precisa entender duas coisas: Primeiro, ela será sua até que a morte
lhes separe, porém, a morte de um significará a morte do outro. Segundo que,
durante sete dias seu sêmen não pode ser introduzido nela...
- Como assim? – Inquietou-se ele em
revolta.
- Uma semana! Consumem suas
vontades, ela lhe desejará com fervor, porém, durante sete dias ela e o senhor
devem se proteger, ela não pode engravidar nesse período, se isso acontecer, o
efeito cessará, e o senhor nunca mais conseguirá tocá-la, mesmo casado com ela.
- Mas isto é o de menos... Posso
esperar sete dias. Quero saber sobre isto de morte?
- Ah, se o senhor morrer de morte
natural, ela morrerá, e o mesmo acontece com o senhor se ela morrer. Mas depois
da morte, seus espíritos estarão livres... Mas para que se preocupar? Ela é
jovem, cheia de vida, não parece estar doente. E se ela for assassinada, ou sofrer
um acidente, ou qualquer coisa assim, nada acontecerá ao senhor. O efeito só
funciona para a morte natural. Um falece, o outro também, e vice-versa como
reza o encantamento. Está feito?
O suor escorria em cachoeira da
testa do velho. Ela insistia.
- Está feito?
O calor tornava-se infernal,
muito mais por seu nervoso, do que pelo sol que brilhava ardido do lado de fora
da toca da bruxa.
- Está feito? – ela forçava-lhe a
resposta.
Dominado por sua claustrofobia e
necessidade de abandonar tanto o covil do demônio, como o olhar da raposa que
lhe enfrentava, ele assinou seu destino em letras garrafais ao sentenciar:
- Certo, bruxa. Está feito!
E assim, ele partiu.
No mesmo dia, o velho tratou de
chamar a moça, e lhe dar o elixir. No dia seguinte, pela manhã os preparativos
da festa foram realizados, e durante o cair da tarde, eles se casaram.
O que ninguém viu, porém, é que
por todo o tempo, um pequeno gato malhado o seguiu, vendo e ouvindo
meticulosamente os passos de seus atos. Um monitoramento de precisão felina,
por onde a bruxa acompanhava o desenrolar de sua trama.
Na noite de fato, a bruxa
aguardava o chegar do filho do milionário. Ela sabia de sua beleza, de seu belo
rosto e corpo, e sabia mais que isso, ela conhecia o rapaz, pois em muitos dias
solitários, ela o acompanhou através dos olhos do gato malhado. Certa vez, de
pronto, o rapaz havia lhe agradado, e desde então, o gato malhado aparecia com
frequência para ele, a fim de receber caricias.
Na madrugada que veio logo após o
casamento, a iluminação das velas dentro da casa da bruxa, era a única luz
presente, ao invés do dourado envelhecido do dia, reinava alaranjada no
tremular das chamas que faziam das sombras das carcaças e das árvores sem
folhas, uma dança constante e soturna.
Quando o rapaz chegou, carregando
o embrulho do qual desconhecia o interior, resolveu avançar rápido para não se
perder em temores diante a imagem cadavérica e truculenta que jazia no quintal
de terra seca. Do interior da casa, além da luz alaranjada e fraca, uma música
leve e misteriosa brincava com sua mente sob as estrelas radiantes e a noite de
lua cheia.
Ao chegar à porta, percebeu-a entreaberta,
ao espiar, sucumbindo a sua curiosidade, mas hesitando um tanto ainda por medo,
viu a bruxa tão falada, diferente do que diziam, não era velha, pelo contrário,
era uma linda jovem de longos cabelos negros como petróleo, sentada em um banco
de madeira. A bruxa deixava à mostra suas canelas e pés delicados que o vestido
não cobria, além de seus braços e lindas mãos que tocavam uma viola enquanto
cantava.
Mas de pronto, ela sentiu a
presença de quem aguardava e parou a canção.
- Entre. Estava mesmo te
esperando.
O jovem envergonhado entrou na
casa buscando firmeza em seu âmago. Era encantador vê-lo tão de perto. Seu
cabelo negro, amarrado com uma fita, deixava pender à frente do rosto umas duas
ou três mechas mais rebeldes. Ele sorriu, mais pela vergonha e surpresa, do que
por se sentir à vontade.
- Bom, - disse ele – aqui está o
que o chefe lhe prometeu. Se me
permite, já vou indo.
- Não, na verdade, não permito. –
Disse a bruxa deixando a viola ao seu lado. – Preciso falar contigo, não vai
levar muito tempo. Seja lá o que tem nessa caixa, não me interessa.
Tranquilamente ela fechou a porta
atrás do rapaz, abriu uma gaveta, retirou uma carta e um envelope, e entregou
apenas a carta:
- Essa letra lhe é familiar?
O jovem pegou a carta nas mãos:
- Sim, mas como. Parece a letra
da minha mãe. – e desconfiado inquiriu – Você fez isso?
- Não, de forma alguma – respondeu
ela – meus poderes não chegam a tanto. Veja isto – e do envelope retirou uma
foto com duas mulheres e um menino – Sabe quem são?
O jovem olhou aturdido e curioso.
- Sim, esse sou eu quando
pequeno, esta minha mãe, e esta mulher me é familiar, mas não muito. Como tem
essa foto?
- Essa mulher – disse a bruxa –
de quem você não se recorda é minha mãe. Ou a velha bruxa que viveu nessa casa.
Bom, quanto ao resto. Melhor você ler a carta.
O jovem compenetrado mergulhou
naquelas linhas, as linhas que foram encaminhadas à velha bruxa amiga de sua
mãe, que diziam sobre quem era seu pai, sobre querer revelar as verdades ao seu
filho, e as ameaças de morte.
A reação do jovem foi de pavor,
surpresa, raiva, ele até mesmo levantou-se de sobre salto e quis ir até o
velho, mas a bruxa o impediu.
Não perca a cabeça, não agora.
Além dessa carta, eu não tenho nenhuma prova, entende?
O jovem concordou com a cabeça, e
durante um longo tempo ficou envolto em seus pensamentos. Ao voltar à realidade
olhou firmemente nos olhos da bruxa:
- Mas porque resolveu me contar
tudo isso?
Ela sorriu:
- Acha que nós, bruxas, só agimos
em troca de favores? Nem sempre! - Um miado vindo de fora se ouviu. – Ai esta
sua resposta. - E o gatinho rajado entrou na sala, roçando nas pernas do rapaz.
– Digamos que eu... tenho lhe observado, e sua pessoa me apetece... – sorriu – Quer um pouco de chá de ervas? Eu
juro que não está enfeitiçado.
Horas se passaram, e os encantos
naturais de seus hormônios criaram a magia.
Na noite seguinte, o vento soprava
forte e severo feito um uivo longínquo e solitário. Era a noite perfeita para o
próximo passo.
De dentro de um frasco com
pequenos furos na tampa, Ailã libertou uma linda borboleta preta e azul, que
voou com a ajuda do vento até o quarto onde dormia a jovem enfeitiçada. A
borboleta pousou sobre os lábios da moça, extenuando seus batimentos cardíacos
e na manhã seguinte, ela estava, naturalmente, morta. O velho, quando a
encontrou, teve tempo apenas de deixar verter uma lágrima, e logo caiu ao chão.
A notícia do falecimento de ambos
correu rápida, e cinco madrugadas após as mortes, a bruxa saiu de sua casa e
caminhou sob o brilho do sol até que seus passos a levaram aos fundos da pequenina
igreja da cidade onde, sendo ali o único cemitério, os corpos foram enterrados.
Não foi difícil encontrar o túmulo da jovem que já se movia freneticamente
desesperada dentro da cova acordando de um longo estado cataléptico.
- Está liberta. – disse-lhe a
bruxa – da tumba e do feitiço. Agora vai embora desta cidade com o homem que
realmente ama – e deu a ela um pequeno punhado de dinheiro.
E a lua pareceu mais brilhante
por um momento.
O jovem de cabelos negros
apresentou a carta de sua mãe às autoridades, e tomou para si toda a fortuna do
pai. Extremamente apaixonado e grato, ele cortejava a bruxa.
*
- Sebastião, Adelmo, Rita de
Carvalho, Tomás, Benita, Camila, Tamíres
da Fonseca, Izabel. Abelardo do Carmo, Angelo, Fátima, Malaquias de Andrade...
Nomes e mais nomes eram ditos por
ela naquela manhã. Não poderia se esquecer de nenhum dos moradores da vila de
quem haveria de vingar-se por terem-na expulsado junto com sua mãe. E seus
devaneios caminhavam enquanto acariciava sua barriga onde crescia o herdeiro de
todos os seus dons e de toda fortuna daquelas terras douradas.
- Rafaela, Dominique, Paulo...
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Carol, adorei seu conto, é o "meu numero", rsrs. Adoro historias de bruxas e esta me prendeu como um bom conto de terror, e o final me surpreendeu, porque se casou com a inteligencia feminina e outro nuance que gosto muito em histórias, que é a vingança, que galega esperta hein! Ta certa ela! KKKKKK. Ficou ótimo querida! Beijãooo!!!
ResponderExcluirVê.
Nossa!!! Muito bom! Amei... E o final, hiper inesperado pra mim!
ResponderExcluirAdoro esse tipo de vingança inteligente *.*
Parabéns!!!
Meus Parabéns Carol! Excelente conto.
ResponderExcluirAdoraria ver mais histórias de vingança dessa bruxa...