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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Anjo de Luz



Há muitos anos o sol nasceu à oeste pela primeira vez. Emergindo de forma inimaginável, a seca e insípida luz desabou elevando uma bola de mil sóis revelando no centro um anjo tão brilhante, mortal e pujante que a própria morte sentiria inveja. Não pude enxergar sua severa expressão, apenas uma luz alva quase inidentificável que luzia dos cabelos, olhos e face. Carregava em seu corpo pálido, uma armadura branquíssima e nas mãos uma espada flamejante que entoava luzes ainda mais magistrais e intensas, cujo olhos humanos quase não são capazes de ver.

A queda do celestial foi bem no meio da cidade e esmagou centenas de pessoas. No lugar onde ele caiu emergiu um enorme tsunami de poeira, folhas, tijolos e arvores a uma velocidade incrível. Um enorme círculo de detritos voando pelos céus se formou ruindo prédios e levantando carros. Eu poderia jurar que as montanhas pularam e ao encontrar o solo bateram em vidro, tamanha a energia que emanou dos pés do gigante.


Nesse mesmo instante, centenas de pessoas ficaram cegas e os feridos por detritos foram aos milhares ainda nos primeiros dois segundos de sua chegada. Ele nem tinha começado a descarregar a sua fúria. Com pés firmes no solo o anjo ergueu seu corpo, empunhou sua arma e preparou-se para caçar toda forma de vida existente.

Da sua primeira e breve rajada de fogo, conjurada de sua espada, outras centenas de almas foram ceifadas. As chamas queimavam os cabelos até alcançar o couro, formando bolhas que explodiam água e pus, puxando em seguida a pele para baixo, escalpelando as vítimas e deixando expostos a carne viva e o sangue que antes de jorrar secava e tornava-se pó no vento.

As gorduras e vísceras, que não tinham nem tempo de cair no chão, eram apresentadas como holocausto diante de Deus que as recebia de bom grado enquanto o fogo comia a carne, dilacerando os músculos com mandíbulas caninas prontas para devorar cada nervo com prazer e alegria. Não foram poucos os braços e pernas que não resistiram ficar colados no corpo e saíram voando junto com o vento. Por fim, os ossos eram roídos até que nada mais restasse.

Ainda houveram homens que provaram da lamina do celestial. Uns tiveram as costas dilaceradas enquanto outros foram rasgados no meio com seu corte abrasado. Ambos explodiam logo em seguida em puro pó. Não houve um só que sentiu o raio certeiro o acertar que tenha sobrevivido e dizem que o poder das explosões foram tão grandes, que até hoje a marca de seus corpos decoram as paredes com suas silhuetas.

Somando-se a isto o celestial brincava de arrancar pinturas de carros com chamas só para depois explodi-los. Prédios eram derrubados no sopro, quando não com pontapés e murros. Vários desses golpes, em poucos segundos, encheram o inferno e os portões celestiais de almas esperando pelo bem ou mal eterno. A cidade virou pó, pois do pó surgiu. E enfim o  segundo sol se pôs.

Ainda surgiu do hálito do Anjo de Morte, um veneno que invadiu os corpos de todos que sobreviveram. Muitos ainda morrem pela maldição entoada enquanto ele nos matava com lamina e fogo. Eu tive sorte de estar longe do poente no nosso primeiro encontro.

Meu azar foi ter o segundo encontro com este anjo em Nagasaki  Cruel, covarde e pujante ele executou das mesmas manobras e artimanhas, levando milhares consigo. Lá eu estava muito mais próximo dele, pude sentir do seu hálito que apodreceu meu sangue e órgãos. Estou morrendo de leucemia e um câncer no estomago que em breve me levará aos céus.

Neste segundo encontro pude também enxergar seu rosto que carregava a expressão severa cheia de arrogância e prepotência da qual nunca esquecerei - Era a imagem e semelhança da humanidade. 

Baseado na vida de Tsutomu Yamaguchi.

7 comentários:

  1. Wow... Hiroshima e Nagasaki são pra mim tragedias tão inexplicaveis quanto inesqueciveis... Quando era criança ouvia a musica "Rosa de Hiroshima" na voz de Ney Matogrosso e chorava, sem conseguir entender como a humanidade pode ser tão ruim e mesquinha...

    Até hoje as pessoas sofrem os efeitos da radiação, e isso é mais assustador do que qualquer historinha que se possa criar... A humanidade é o pior monstro dentro do armário que pode existir...

    Parabéns pelo conto Rainier... Adorei a visão que deu - que chegou a ser quase romantica, embora não menos assustadora - pro ocorrido.

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    1. Engel, você disse tudo: "isso é mais assustador do que qualquer historinha que se possa criar"

      O pior é imaginar que existam países criando essas armas e que nem metade das que foram criadas estão desativadas. A qualquer momento o mundo verá outra dessas explodir. É terrível, mas é a mais pura realidade.

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  2. Nó! O pior ainda é que, quem "liberou" esse anjo foram os homens... mas, isso é outra estória!!!

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    1. Hey Daddy! Bom te ver aqui!

      E sim, esse anjo criado por homens pode ser chamada de Little Boy!

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  3. Belo post,conheci o blog há poucas horas atrás e realmente estou adorando esse medo,digamos,"inteligênte" que nos proporciona.Ótimo trabalho e eu estou disposto para acompanhar esses 365 Dias de Medo. ;-)

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    1. Valeu Alexandre, espero que você nos acompanhe! Todos os cinco escritores fixos deste site são excepcionais e os visitantes também nos prometem grandes histórias! See you later!

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  4. Você acha mesmo que novas bombas realmente serão lançadas em novas Guerras?eu acho que também vai,é triste mas é consequência iminente da ignorância humana,é terrível,a proposito parabéns pelo texto.

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