Meia noite de um
domingo qualquer. Fumo um cigarro qualquer e viro um copo de Scotch com apenas
um único e solitário gelo. Admiro com ódio um quadro de Nova York onde a
multidão de táxis amarelos admira a Marilyn Monroe e a Estátua da liberdade. Há
um contraste tão grande no que sou e no que quero ser. Diante dessa multidão
sou apenas como aquele pequeno gelo derretendo no copo.
Verto o restante da
água derretida deixando parte do gelo. Levanto-me para ir para a cama, mas o
álcool não deixa. Antes de atravessar a sala caio de bruços no chão e sinto o
coração gelar. Uma pequena dor rasga meu peito e encosta gentilmente no órgão vital.
Estou tendo uma parada cardíaca.
Ainda com dor e
sentindo o braço esquerdo tilintar um formigamento incomoda, viro-me para golar
umas doses de ar. Estou sozinho em casa sentindo a vida escapar pelos dedos
como a areia ou água tanto faz o clichê. O que importa é que preciso de ligar
urgentemente para a emergência. Minha vida precisa disso.
Deitado no chão
tento me arrastar até o telefone que
repousava numa mesa ridiculamente pequena adornada de uns panos que
nunca gostei, mas que sempre deixei ali de recordação. Tinha o cheiro da Katy e
não desejava esquecer a última dose que tinha dela nesta casa, o seu terrível senso de decoração. Já fazem
dois meses que ela se foi deixando o quadro, os panos, o apartamento e eu.
Arrasto-me até
chegar próximo do telefone, já sem fôlego e forças, tento levantar-me ou
esticar o braço o suficiente para pegar o telefone, mas é em vão. A garganta
seca, os olhos escurecem e o peito parece rasgar mais e mais. Não há nada nem
ninguém para me ajudar, senão uma pesada e escura nuvem que se aproxima. Vejo
de relance no copo, a água restante do gelo enfim derretido e pôr fim a densa
névoa que preenche todo o lugar.
Forço meu corpo ao
limite, conseguindo sustentar o corpo no braço direito apenas o suficiente para
alcançar a borda da mesa. Agarro-me àquele pequeno pedaço de madeira como se
estivesse no topo de um penhasco gelado, prestes a cair. Sinto o gelo derreter
e trincar, sinto o braço perdendo as forças e sinto uma mão de cima do penhasco
estendendo as mãos para me ajudar. Venta gelado e todo o meu corpo sente frio,
os olhos queimados pelo reflexo do sol, sentem uma dor indescritível e perdem
toda a sua capacidade de enxergar. Estou tremendo de frio e os flocos de neve
parecem apunhalar minha pele. O gelo em minhas mãos está derretendo.
Vejo o rosto de Katy
e suas mãos novamente - "Vem! Venha comigo." - Seu olhar era de
perda, ela sabia que não aguentaria segurar. - "Vem, meu amor, eu te ajudo
a subir!" - "Eu não consigo" - "Você consegue, sim. Já conseguimos
tantas coisas juntos" - "Agora não dá Katy, você não existe mais. Você me abandonou,
lembra?" - "Estou aqui para te ajudar e estou aqui por que eu te amo.
Venha, me dê a mão."
Estico o braço e
seguro firmemente nela. Ela me puxa com toda a força. - "Vamos, você
consegue, só mais um pouco!" - "Eu não..." - A dor já era mais
do que insuportável, o corpo não aguenta mais nada. - "Eu não." - É o
fim. - "Adeus, Katy." - O gelo derreteu, trincou-se por inteiro e me
fez avalanche.
Soltei de suas mãos
enquanto ela me via cair vertiginosamente pelo abismo branco e gelado. Minhas
mãos estendidas caíram sem vida no tapete negro, levando consigo o telefone que
caíra fora do gancho, dando o característico sinal de linha. Movendo lentamente
meus dedos, com esforço e dor, digitei três dígitos e permaneci em silencio
enquanto derreti.
Um senhor começa a
falar do fone, distante, mas eu permaneço calado. Não tenho mais forças.
Entrego-me ao que o
destino se encarregar de fazer, sem dar muita importância ao que realmente pode
acontecer. Por mais tolo e insensato que possa parecer, meu único pensamento
naquele momento era: "Eu não estou sozinho."
Peço perdão à todos. Tinha agendado este conto para semana passada, mas não vi que ele não tinha sido publicado. Semana que vêm publicarei dois textos! Promessa!
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