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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sozinho


Em memória de Katiely - Manda um beijo pro pai!

Meia noite de um domingo qualquer. Fumo um cigarro qualquer e viro um copo de Scotch com apenas um único e solitário gelo. Admiro com ódio um quadro de Nova York onde a multidão de táxis amarelos admira a Marilyn Monroe e a Estátua da liberdade. Há um contraste tão grande no que sou e no que quero ser. Diante dessa multidão sou apenas como aquele pequeno gelo derretendo no copo.

Verto o restante da água derretida deixando parte do gelo. Levanto-me para ir para a cama, mas o álcool não deixa. Antes de atravessar a sala caio de bruços no chão e sinto o coração gelar. Uma pequena dor rasga meu peito e encosta gentilmente no órgão vital. Estou tendo uma parada cardíaca.

Ainda com dor e sentindo o braço esquerdo tilintar um formigamento incomoda, viro-me para golar umas doses de ar. Estou sozinho em casa sentindo a vida escapar pelos dedos como a areia ou água  tanto faz o clichê. O que importa é que preciso de ligar urgentemente para a emergência. Minha vida precisa disso.


Deitado no chão tento me arrastar até o telefone que  repousava numa mesa ridiculamente pequena adornada de uns panos que nunca gostei, mas que sempre deixei ali de recordação. Tinha o cheiro da Katy e não desejava esquecer a última dose que tinha dela nesta casa,  o seu terrível senso de decoração. Já fazem dois meses que ela se foi deixando o quadro, os panos, o apartamento e eu.

Arrasto-me até chegar próximo do telefone, já sem fôlego e forças, tento levantar-me ou esticar o braço o suficiente para pegar o telefone, mas é em vão. A garganta seca, os olhos escurecem e o peito parece rasgar mais e mais. Não há nada nem ninguém para me ajudar, senão uma pesada e escura nuvem que se aproxima. Vejo de relance no copo, a água restante do gelo enfim derretido e pôr fim a densa névoa que preenche todo o lugar.

Forço meu corpo ao limite, conseguindo sustentar o corpo no braço direito apenas o suficiente para alcançar a borda da mesa. Agarro-me àquele pequeno pedaço de madeira como se estivesse no topo de um penhasco gelado, prestes a cair. Sinto o gelo derreter e trincar, sinto o braço perdendo as forças e sinto uma mão de cima do penhasco estendendo as mãos para me ajudar. Venta gelado e todo o meu corpo sente frio, os olhos queimados pelo reflexo do sol, sentem uma dor indescritível e perdem toda a sua capacidade de enxergar. Estou tremendo de frio e os flocos de neve parecem apunhalar minha pele. O gelo em minhas mãos está derretendo.

Vejo o rosto de Katy e suas mãos novamente - "Vem! Venha comigo." - Seu olhar era de perda, ela sabia que não aguentaria segurar. - "Vem, meu amor, eu te ajudo a subir!" - "Eu não consigo" - "Você consegue, sim. Já conseguimos tantas coisas juntos" - "Agora não dá Katy,  você não existe mais. Você me abandonou, lembra?" - "Estou aqui para te ajudar e estou aqui por que eu te amo. Venha, me dê a mão."

Estico o braço e seguro firmemente nela. Ela me puxa com toda a força. - "Vamos, você consegue, só mais um pouco!" - "Eu não..." - A dor já era mais do que insuportável, o corpo não aguenta mais nada. - "Eu não." - É o fim. - "Adeus, Katy." - O gelo derreteu, trincou-se por inteiro e me fez avalanche.

Soltei de suas mãos enquanto ela me via cair vertiginosamente pelo abismo branco e gelado. Minhas mãos estendidas caíram sem vida no tapete negro, levando consigo o telefone que caíra fora do gancho, dando o característico sinal de linha. Movendo lentamente meus dedos, com esforço e dor, digitei três dígitos e permaneci em silencio enquanto derreti.

Um senhor começa a falar do fone, distante, mas eu permaneço calado. Não tenho mais forças.

Entrego-me ao que o destino se encarregar de fazer, sem dar muita importância ao que realmente pode acontecer. Por mais tolo e insensato que possa parecer, meu único pensamento naquele momento era: "Eu não estou sozinho."

Um comentário:

  1. Peço perdão à todos. Tinha agendado este conto para semana passada, mas não vi que ele não tinha sido publicado. Semana que vêm publicarei dois textos! Promessa!

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