Por: Franz Lima.
Eu escrevo. A caneta flui em minha mão com uma velocidade incomum. As ideias também fluem, deixando-me desnorteado. Mas não há a menor possibilidade de interromper essa atividade. Nada poderá interromper esta missão. Nada.
Eu escrevo. A caneta flui em minha mão com uma velocidade incomum. As ideias também fluem, deixando-me desnorteado. Mas não há a menor possibilidade de interromper essa atividade. Nada poderá interromper esta missão. Nada.
Meses atrás eu vagava por entre viadutos, inconformado com a vida. Meu estômago vibrava - literalmente - com a fome. Minha pele suja era uma clara indicação de que meus dias se passavam nas ruas. Essa era a sina de um catador de lixo, um mendigo. Como cheguei a esse ponto? Acredite, isso é irrelevante. Porém garanto que irá querer descobrir como saí. Sim, você irá...
Como já citei, eu não era o mais afortunado dos seres humanos. Privado de alguns benefícios que a maioria tem, entre eles a alimentação, vaguei como um indigente por ruas e becos, sobrevivendo de forma não muito digna. Entretanto, apesar de tantos percalços, minha mente ainda permanecia ativa. Havia uma ebulição de ideias que precisavam ser postas no papel. O mundo precisaria ouvir minhas histórias, mas não havia recursos para chegar até alguém que se dispusesse a ler, ainda que por poucos minutos, algumas linhas por mim escritas. Decepcionado com esse infortúnio, arrastei por longos meses uma mochila lotada de folhas de cadernos, onde eu periodicamente escrevia. A umidade, o mal acondicionamento e meu próprio desleixo cuidaram para que cada página fosse gradativamente destruída. Foram tempos de desperdício e desespero.
Então, em uma noite tipicamente fria, já quase embalado pelo sono e a fome, ele veio até mim. Havia algo de imponente em seu porte, principalmente no olhar, pleno de desprezo ou pena, não sei precisar qual seria. Eu o encarei e questionei qual era a intenção dele em uma área tão perigosa e abandonada. Com uma calma que me provocou arrepios, o homem me questionou sobre qual seria meu maior desejo. O que poderia me motivar a continuar nesse mundo cão? Foram longos segundos onde minha mente trabalhou como nunca. Por algum motivo, eu sabia que uma resposta errada poderia ser o sinônimo de algo muito ruim. Por fim, olhei-o novamente nos olhos e disse: "Minha mente é cheia de ideias. Mas não tenho como mostrá-las ao mundo. Logo, eu gostaria de ser o maior escritor do mundo, capaz de espalhar os frutos de minha imaginação a todos no planeta.". Senti uma mão tocar meu ombro. O homem me contemplou como se eu fosse um animal doméstico abandonado e, simplesmente, disse "assim seja".
Despertei com a sensação de ter bebido uma centena de garrafas de vodka. Os olhos doíam e a cabeça latejava. Eu havia sido transportado para um quarto bem bonito. Roupas limpas estavam na cabeceira da cama. Meus cabelos estavam cortados e o hálito não mais fedia. Eu estava salvo. Por algum motivo fui escolhido para ganhar esse prêmio. Por algum motivo alguém me retirou da miséria. E eu lembrei da face do homem, de sua petulância e desprezo, frutos de uma provável superioridade. E esse foi o estopim para que minha mente começasse a produzir uma história atrás da outra. Eu escrevi por muitas horas até que meus dedos não mais suportassem a dor. Centenas de páginas manuscritas estavam espalhadas pelo quarto, numeradas e aguardando apenas a organização. Em um curto intervalo de horas eu produzi um livro.
Meses se passaram e a produção do que eu escrevia foi aumentando gradualmente. Meu tempo era quase todo dedicado a escrever, não só romances como qualquer coisa que vinha à mente, pois era preciso descarregar aquela avalanche de pensamentos. Passar aquilo tudo para o papel era uma rota de fuga, um meio de evitar que a loucura me dominasse. Porém quanto mais escrevia, mais ideias vinham.
Os anos se passaram. Eu me tornei o maior escritor do meu tempo. Livros e livros foram criados quase de forma mágica. Entretanto, meu cérebro permanecia dominado pela invasão de histórias que insistiam em continuar chegando. Olhei minha face no espelho e vi um rosto cansado, já sulcado pelo esforço de passar noites em claro, escrevendo. Eu emagreci muito e já sentia dores insuportáveis nas mãos que, teimosamente, permaneciam produzindo palavras. Quando minhas mãos falharam, a raiva foi tão grande que cortei a mão direita com um cutelo. Continuei escrevendo através de um programa de reconhecimento de voz e muitos outros livros surgiram. O dinheiro não paráva de vir, as ideias também.
Com o corpo fraco, definhei rapidamente. Surgiram machucados horríveis por causa dos longos dias sentado, apenas escrevendo. Músculos atrofiaram e, finalmente, apenas a mente estava plenamente ativa. Mas chegara o dia em que não mais poderia contar minhas histórias. Eu estava condenado a morrer por causa delas. Sem poder produzir, doente e à beira da morte, repousando em minhas próprias fezes e com o cérebro quase explodindo com o acúmulo de pensamentos, contemplei pela última vez o homem que me concedeu o desejo. Ele tocou minha testa com muita delicadeza e sussurrou em meu ouvido: "espero que esteja feliz com o que pediu...".
No dia 14 de setembro de 2069, aos 98 anos, faleceu o mais produtivo escritor dos séculos XX e XXI. Seus livros irão ecoar por gerações. Seu sofrimento também.
Como já citei, eu não era o mais afortunado dos seres humanos. Privado de alguns benefícios que a maioria tem, entre eles a alimentação, vaguei como um indigente por ruas e becos, sobrevivendo de forma não muito digna. Entretanto, apesar de tantos percalços, minha mente ainda permanecia ativa. Havia uma ebulição de ideias que precisavam ser postas no papel. O mundo precisaria ouvir minhas histórias, mas não havia recursos para chegar até alguém que se dispusesse a ler, ainda que por poucos minutos, algumas linhas por mim escritas. Decepcionado com esse infortúnio, arrastei por longos meses uma mochila lotada de folhas de cadernos, onde eu periodicamente escrevia. A umidade, o mal acondicionamento e meu próprio desleixo cuidaram para que cada página fosse gradativamente destruída. Foram tempos de desperdício e desespero.
Então, em uma noite tipicamente fria, já quase embalado pelo sono e a fome, ele veio até mim. Havia algo de imponente em seu porte, principalmente no olhar, pleno de desprezo ou pena, não sei precisar qual seria. Eu o encarei e questionei qual era a intenção dele em uma área tão perigosa e abandonada. Com uma calma que me provocou arrepios, o homem me questionou sobre qual seria meu maior desejo. O que poderia me motivar a continuar nesse mundo cão? Foram longos segundos onde minha mente trabalhou como nunca. Por algum motivo, eu sabia que uma resposta errada poderia ser o sinônimo de algo muito ruim. Por fim, olhei-o novamente nos olhos e disse: "Minha mente é cheia de ideias. Mas não tenho como mostrá-las ao mundo. Logo, eu gostaria de ser o maior escritor do mundo, capaz de espalhar os frutos de minha imaginação a todos no planeta.". Senti uma mão tocar meu ombro. O homem me contemplou como se eu fosse um animal doméstico abandonado e, simplesmente, disse "assim seja".
Despertei com a sensação de ter bebido uma centena de garrafas de vodka. Os olhos doíam e a cabeça latejava. Eu havia sido transportado para um quarto bem bonito. Roupas limpas estavam na cabeceira da cama. Meus cabelos estavam cortados e o hálito não mais fedia. Eu estava salvo. Por algum motivo fui escolhido para ganhar esse prêmio. Por algum motivo alguém me retirou da miséria. E eu lembrei da face do homem, de sua petulância e desprezo, frutos de uma provável superioridade. E esse foi o estopim para que minha mente começasse a produzir uma história atrás da outra. Eu escrevi por muitas horas até que meus dedos não mais suportassem a dor. Centenas de páginas manuscritas estavam espalhadas pelo quarto, numeradas e aguardando apenas a organização. Em um curto intervalo de horas eu produzi um livro.
Meses se passaram e a produção do que eu escrevia foi aumentando gradualmente. Meu tempo era quase todo dedicado a escrever, não só romances como qualquer coisa que vinha à mente, pois era preciso descarregar aquela avalanche de pensamentos. Passar aquilo tudo para o papel era uma rota de fuga, um meio de evitar que a loucura me dominasse. Porém quanto mais escrevia, mais ideias vinham.
Os anos se passaram. Eu me tornei o maior escritor do meu tempo. Livros e livros foram criados quase de forma mágica. Entretanto, meu cérebro permanecia dominado pela invasão de histórias que insistiam em continuar chegando. Olhei minha face no espelho e vi um rosto cansado, já sulcado pelo esforço de passar noites em claro, escrevendo. Eu emagreci muito e já sentia dores insuportáveis nas mãos que, teimosamente, permaneciam produzindo palavras. Quando minhas mãos falharam, a raiva foi tão grande que cortei a mão direita com um cutelo. Continuei escrevendo através de um programa de reconhecimento de voz e muitos outros livros surgiram. O dinheiro não paráva de vir, as ideias também.
Com o corpo fraco, definhei rapidamente. Surgiram machucados horríveis por causa dos longos dias sentado, apenas escrevendo. Músculos atrofiaram e, finalmente, apenas a mente estava plenamente ativa. Mas chegara o dia em que não mais poderia contar minhas histórias. Eu estava condenado a morrer por causa delas. Sem poder produzir, doente e à beira da morte, repousando em minhas próprias fezes e com o cérebro quase explodindo com o acúmulo de pensamentos, contemplei pela última vez o homem que me concedeu o desejo. Ele tocou minha testa com muita delicadeza e sussurrou em meu ouvido: "espero que esteja feliz com o que pediu...".
No dia 14 de setembro de 2069, aos 98 anos, faleceu o mais produtivo escritor dos séculos XX e XXI. Seus livros irão ecoar por gerações. Seu sofrimento também.
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