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quinta-feira, 7 de março de 2013

Mestre do Universo


Existem muitas pessoas ricas no mundo. Entretanto, você só ouve falar das “mais pobres” delas, na verdade; existem homens e mulheres tão poderosos e importantes que pagam para não serem citados por listas de milionários, revistas de fofocas ou, tanto melhor, por qualquer pessoa viva. Não precisam ser vistos em baladas com modelos seminuas de seios enormes ou em conversas com jogadores de futebol proeminentes.

Homens e mulheres que possuem mais do poderiam gastar em dez vidas. Homens e mulheres que olham para a vida de cima. Homens e mulheres que não precisam de sonhos; eles já possuem tudo.

E Romulus Medicci era o maior deles.
A história de como a família Medicci angariou sua riqueza é irrelevante, mesmo que a “lenda” de como um de seus antepassados enganou algum imperador romano seja bem interessante... Dono de mais dinheiro, terras, empresas e pessoas que se pode enumerar, Romulus era um homem que ainda demoraria a ver o fim da vida, supunha-se, mas os cabelos e barba grisalhos e as rugas de expressão lhe cediam um ar antigo e respeitável.

Assim, ninguém poderia imaginar seu tédio.

Na última década – até onde ele lembra, pelo menos –, possuir tanto se tornou um fardo. Romulus não tinha mais o que almejar... Nada para conquistar. Nem mesmo mulheres!

Para vocês terem uma breve ideia, um exemplo: digamos que Romulus – ou um de seus iguais –, por mero acaso, tenha assistido a algum filme ou coisa do gênero e, por mero acaso, tenha desejado aquela atriz muito bonita e jovem e com formas interessantes. Tanto faz se é a protagonista ou uma coadjuvante sem muita expressão; o que importa é o desejo do homem. Ligações seriam feitas, terceiros e quartos arranjaria tudo – por bem ou por mal – e, em algumas semanas, por mero acaso, Romulus entraria em seu quarto e a garota estaria lá, esperando – e nunca saberia com quem passou uma ou várias noites. Então, por mero acaso, após essa “cortesia”, a vida da atriz mudaria: se fosse já alguém de destaque em sua área, muitas premiações e novos papéis importantes surgiriam ano a ano; se uma irrelevante coadjuvante, em todos os próximos trabalhos seria uma protagonista. Era assim que funcionava. E nem queira saber quando a mulher era uma anônima ou simples transeunte...

O mundo girava para um Medicci.

E pensar que, quando jovem, quase abandonou tudo pelo teatro, sua paixão antiga e enterrada.

Por esse e outros motivos, era difícil encontrar novas emoções, novos desafios... Às vezes, Romulus se pegava pensando em suicídio. Afinal, não havia mais o que ver ou fazer... Pelo menos, não como ele presumia. Por isso, tudo mudou quando um de seus homens de confiança retornou.

“Chefe, consegui!”, o homem disse exultante, ao entrar no escritório com um pacote em mãos. Estava vários quilos mais magro e, obviamente, parecia muito cansado. “Foram cinco ou seis anos?”, Romulus tentou lembrar; o sujeito era um de seus rastreadores e sua função era encontrar coisas ou pessoas pelo mundo... Ou, no caso em questão, na África e no Oriente Médio. Provavelmente, não foi uma boa experiência, mas o Medicci não teve o menor lampejo de preocupação com o funcionário. Agora, tudo que importava era o prêmio.

“Estava nas ruínas de um templo na fronteira de...!”, a história era, certamente, incrível, mas foi interrompida com um acendo de mão do chefe. Saiu. Nenhuma instrução precisava ser dada – todos conhecem a história. Assim, a última pessoa que teve contato com Romulus Medicci deixou-o no escritório com a última joia conhecida do mundo antigo.

Dentro de uma maleta que resistiria à explosão de uma granada, enrolada em sedas muito valiosas, o receptáculo reluzia com as dezenas de pedras preciosas que incrustavam a parte de obsidiana. A tampa era uma graciosa caveira animal feita de jade.

Romulus passou horas admirando o recipiente. Quando se deu conta, a maioria dos empregados já tinha partido da mansão. Logo, dispensou todo o pessoal da segurança... Logo mais, não precisaria deles e preferia evitar algum “visitante acidental” durante o que estava para realizar... Afinal, nunca precisou chamar atenção para si e funcionários que pensassem em abrir a boca demais nunca eram avistados novamente, mas algo tão fora do comum não seria tão facilmente administrável, ele sabia reconhecer.

Em quarenta e cinco minutos, o único habitante vivo na gigantesca propriedade era o próprio dono, Romulus Medicci. Aproveitou esses minutos para refletir sobre o que faria logo que o que imaginava se concretizasse. A simples ideia lhe deixava com uma alegria nervosa... Intumescido e vitorioso, da mesma forma.

Levantou-se e dirigiu-se à mesa onde deixou o receptáculo. Depois de hesitar por alguns minutos, removeu a tampa de jade. Nada aconteceu. Já acreditava ter sido enganado e pretendia ordenar a morte do rastreador.

Foi aí que reparou que a sala se tornou o mais puro breu.

No limiar de sua audição, algo como o choro de crianças, ossos quebrando e o eco de gritos distantes eram percebidos...

Então se aproximaram e tornaram-se mais claros.

O cheiro característico de brasas tomou o recinto.

O efreeti se apresentou.

Um corpo musculoso e enorme estava ereto à frente de Romulus. Negro como carvão e com uma cabelereira em chamas, a criatura estava nua, embora centenas de caveiras e ossos adornassem seu corpo. Sorria, curiosamente, e seu sorriso era como uma série de lâminas brilhantes, mas cortês.

“Um pedido, pequeno homem, e uma dádiva é concedida”, a criatura proclamou. Romulus ignorou o “pequeno homem”; logo, seria maior que qualquer aberração de um passado morto. Quando fez seu pedido, portanto, a euforia tomou conta de si. Mesmo assim, tentou manter certa teatralidade.

“Eu quero tudo, espectro! Quero ser parte de toda a criação, o fundamento dos homens e das estrelas! Cansei de ser apenas parte da mortalidade humana e de seus jogos mesquinhos, sua pequeneza! Eu, Romulus Medicci, sou maior que tudo isso!! Desejo ser um verdadeiro mestre do universo!!!”, vociferou.

“E uma dádiva é concedida”, o gênio se repetiu. Seus olhos brilharam e, se sua voz não fosse uma mera projeção sobrenatural na mente de Romulus, o homem teria notado um tom de ironia... Maligno, talvez? Porém, nesse momento, o último dos Medicci podia, de fato, sentir as estrelas e o cosmos infinito.

Ele se tornara o poder.

Seu corpo era uma extensão de tudo. Compreendeu toda a realidade em uma fração de segundo e assistiu o início e o fim de tudo inúmeras vezes. Era, finalmente, maior que tudo que o ser humano jamais conheceu.

Ele era um quark.

E se tornou o fundamento de todo o universo. 


2 comentários:

  1. Ótimo conto, infelizmente é assim, a ganância do ser humano pelo poder.

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    1. Pois é, Ieda. A narrativa toda era para mostrar, enfim, esse ponto. Obrigado! :D

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