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sábado, 9 de fevereiro de 2013

Overdose de Pânico.


Por: Géssica da Rosa

Seu Alcebíades conhecia o homem, mas não se recordou que fosse irmão da moça do quinhentos e doze. Chegou à portaria trajando um terno escuro e pediu a chave do apartamento da irmã. Tinha em mãos uma caixa com um laço verde-esmeralda e disse que queria presentear a moça. O velho avisou que ela não estava em casa, mas ele disse que gostaria de fazer uma surpresa e aproveitaria o fato de ela não estar.
        Hesitante, o porteiro entregou a chave a ele e deixou que subisse. O homem abriu a porta e observou o ambiente. Era um apartamento de quarenta metros quadrados, um quarto só, com a sacada de frente para a rua. Deixou o embrulho sobre a bancada da cozinha americana e foi até o banheiro. Abriu o armário de medicamentos e pegou o frasco de ansiolítico que a irmã usava para controlar as crises de pânico. Substituiu as pílulas pelas de metanfetamina que tinha no bolso da calça. Já presenciara suas crises e sabia que a moça não ingeria apenas um comprimido do medicamento. E com aquelas pílulas não seria diferente. Mas o efeito seria outro, o oposto. E altamente eficaz. Se tudo ocorresse como ele previra, em algumas horas ela estaria sem vida. E o melhor: jamais suspeitariam dele. Afinal, ela própria poderia estar fazendo uso dessa droga para se sentir, digamos, mais alegre. Ou mesmo desejar ter uma overdose e cometer suicídio.
          Após trocar os comprimidos, ele retornou para a sala e a gata veio enroscar-se em suas pernas. Olhou para o animal por um instante e teve uma ideia. Foi à cozinha e retirou a faca da gaveta. Pegou a felina sob miadas de protesto e a levou até a banheira, onde fez o serviço. Com um golpe certeiro, separou a cabeça do corpo peludo, deixando borrifos escarlates nos azulejos imaculadamente brancos. Sentiu o sangue quente do animal lhe provocar arrepios de satisfação em todo o corpo. Ainda bem que não havia se sujado muito, não queria chamar atenção do porteiro quando saísse. Despiu o paletó sujo de sangue e foi à cozinha para pegar um prato no armário. De volta ao lavatório, colocou a cabeça do pobre bicho na louça, formando uma horrenda obra de arte.
         Deixou o corpo do animal dentro da banheira, limpou as digitais da faca e das bordas do prato onde havia tocado. Devolveu o instrumento cortante à gaveta, lavou o pano que usara para limpar os vestígios, e foi até a mesinha do telefone onde destacou uma folha de um bloco e escreveu os seguintes dizeres: “Uma surpresinha para minha querida irmã. Com carinho.”.
Prendeu o bilhete sob o prato, deixando-o sobre o vaso sanitário. Dobrou o paletó de modo a esconder as manchas de sangue e pegou a caixa que ficara na bancada. Limpou as digitais da maçaneta ao sair e desceu pelas escadas. No térreo, o porteiro olhou-o com expressão de interrogação ao vê-lo com o embrulho em mãos. Com um sorriso sedutor nos lábios, o homem respondeu que passaria outro dia para deixar o presente para a irmã.
          O velho recebeu as chaves e, encolhendo os ombros, observou o homem sair pela porta. Ponderou se deveria avisar a moça que o irmão estivera ali, mas logo desistiu da ideia, pois assim estragaria a surpresa que ele preparara para a jovem.
***
         Liana abriu a porta, exausta. Foi até a geladeira e bebeu uma garrafa de água de um gole só. Perguntou-se onde estaria Nico, a gata, que não viera recebê-la com o habitual roçar entre suas pernas. Decidiu tomar um banho para relaxar, mas, ao entrar no banheiro e deparar-se com a diabólica visão do animal esquartejado, sentiu náuseas e as lágrimas brotaram de seus olhos cinzentos. Leu o bilhete que havia sido deixado junto da cabeça sobre o prato, rasgou-o e jogou os pedaços na banheira.
         Subitamente, os tremores invadiram seu corpo e ela vomitou no mesmo lugar onde o corpo sem cabeça da felina jazia banhado em sangue. Era o pânico. Sabia quem havia deixado aquela surpresa macabra. Não conteve o surto, mas começou a limpar aquela parafernália mesmo assim. Jogou o cadáver e a cabeça do animal junto com o prato em um saco preto, ligou o chuveiro para remover as manchas vermelhas e os vestígios do seu almoço da banheira e da parede.
          Aproveitou para tirar a roupa e tomar um banho frio, com a visão infernal da sua gata banhada em sangue embrulhando o estômago. Terminado o banho, enrolou-se na toalha e foi para o quarto vestir-se, deixando o saco com os restos ao lado da banheira. Não conseguia controlar os tremores e a sensação de desorientação. Voltou ao banheiro e abriu o armário de medicamentos. Pegou cinco pílulas do ansiolítico, as lágrimas lavando o seu rosto, e tomou tudo de uma vez só.
Foi para o sofá em prantos e encolheu-se como uma criança em posição fetal. Alguns minutos depois, pôde sentir o coração disparar e uma agitação inexplicável lhe invadir. Sentiu o sangue correr pelas narinas e tremores involuntários nas mãos e pernas. Cambaleante, tentou agarrar o telefone para pedir ajuda, mas caiu no tapete convulsionando. Minutos depois, jazia imóvel no chão da sala.

4 comentários:

  1. Adorei... tem continuação? Bah, show!

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    1. Obrigada, Ivan! Na verdade tem sim. Esse conto é fragmento de uma história que estou escrevendo. Junto com esse, poderão vir outros.

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  2. Ele começou bem, veio caminhando legal, mas terminou muito brusco... ficou realmente como um fragmento e não como um conto... Só senti falta de um final, de um motivo, qualquer coisa... Pra mim o final ficou bem morto - sem trocadilhos...

    Mas de todos os modos, parabens pelo desenrolar da historia.

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    1. Obrigada pelas dicas, Engel! É bom saber o que as pessoas acham do texto para eu poder trabalhar melhor no final (e outras partes) dos próximos. Valeu!

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