Seus cachos dourados costumavam brincavam com o vento, seus olhos verdes ainda enxergavam o mundo com a doce inocência e ingenuidade que uma criança de dez anos tem. Era linda a minha filha querida, meu maior amor e paixão.
Lembro-me de sua jovialidade, do seu sorriso sempre aberto pronto para receber o mundo com aventura e alegria. Lembro de suas brincadeiras no parque ao lado de casa onde ela sujava o seu vestido rosado favorito. Presente da mãe já ausente. Lembro como ela sentada no balanço, mexendo as pernas para frente e para trás conseguia encher minha vida da alegria que a falta de sua mãe deixou.
Chamamos de vida é o que planejamos enquanto a vida acontece, na verdade não há escolhas, nunca houve, nem nunca haverá. Assim que o destino decidir ele te joga em qualquer latrina e lá nós enfim conhecemos a realidade.
Foi na semana
passada que me atrasei, cheguei em casa uma hora mais tarde que o de costume. Ao
entrar, chamei minha filha, como sempre fiz - "Julia, o papai chegou." - E ela viria
correndo me dar um abraço, contaria-me sobre o seu dia, sobre a escola, os amigos, a sua vidinha sem problemas ou dificuldades aparentes. A Josefa, que
cuidava dela me daria boa noite e iria embora, enquanto eu permaneceria com
aquela bela garota em meus cuidados.
Ela era um anjo, um
anjo vindo dos céus para me dar alegria, mas naquele dia não. Naquele dia elas não responderam meu chamado. Encontrei uma mancha vermelha na geladeira escorrendo ao chão até encontrar a pobre mulher com uma ferida
mortal na cabeça. Junto ao corpo e pedaços rosados de seu cérebro havia um martelo
encravado em sua fronte. Seus dentes estavam quebrados, havia marcas rocheadas nos braços e mãos, assim como em toda a sua face desfigurada e quebrada.
- "JÚLIA?" - Vociferei com o
hálito dos infernos - "Júlia, cadê você?" - O desespero tomou meu coração. Era minha vez de conhecer as garras do destino. - "Minha filha, cadê você?" - O coração apertou enquanto eu retornava para a sala, bem como a garganta. Gritei novamente, mas recebi apenas a resposta do silêncio enquanto um oceano invadia meu pulmão e uma fumaça negra queimava meus olhos - "Filha, responde?" - Cheguei tarde. - "Linda,
cadê você?" - Subi as escadas em direção a seu quarto esperando o pior. - "Cadê você, meu amor?" - A realidade é mais dura que o pior dos pesadelos.
Sem ar, em cima de sua cama, na colcha das princesas que tanto amava, seu corpo pálido e nu apodrecia. Seu leve pescoço violentado por duas máculas vermelhas em forma de mãos, tinham clamado por uma dose de ar, que não existia. As lágrimas ainda escorriam dos seus olhos sem foco, assim como porra e sangue jorrava de sua borboleta agora arregaçada. Meu sangue ferveu, a furia invadiu a alma, e berrei como um touro ao ser transpassado por uma espada.
- "Deus, não é possível. Meu
Deus porque você deixou isto acontecer?" - Abracei minha filha e derramei um oceano de lágrimas. Como uma criança eu chorei. - "Minha filhinha, o que fizeram com você, meu amor?" -
Meu coração apertou, espremeu-se por completo. Eu a embalei no peito, como se tentasse protege-la do mundo - "Minha amada filhinha" - Arrancaram ela de mim. - "Quem foi capaz?" - Minha filha, morta em meus braços. - "Quem foi o monstro que fez isto com você?" - Fui eu, que parei para beber antes de chegar em casa.
Ouvi um barulho do
lado de fora e só então notei a janela quebrada. Soltei minha amada e olhei
para baixo. Um homem se arrastava com dor. - "Seu desgraçado filho duma
puta!" - Desci as escadas em dois, três pulos, arranquei a porta e saí
caçando aquele covarde.
Ele tentou correr, mas não foi difícil alcançá-lo. Seu pé estava quebrado e não conseguiu avançar mais que uma quadra. Joguei meu corpo contra o dele e o derrubei
com força. Seu pulso sangrava por conta de um corte que sofrera, provavelmente
vidro da janela recém estilhaçada.
- "Seu desgraçado, filho duma puta!" - Já estava arrancando sangue daquela face demoníaca. Eu dei tantos murros naquela cara e com tanta intensidade e com tanto furor, e com
tanto ódio que o deixei irreconhecível. - "Vai se fuder seu puto de merda!" - Ao cair no chão eu chutei com gosto e vontade na boca daquele viado, agachei em cima dele e soquei incansavelmente sua cara com um desejo que nunca mais sentirei na vida. - "Você é um monstro! Um
monstro!"
Só quando minhas forças acabaram notei o
estrago que fiz em seu rosto. Notei também a sua roupa de militar e minhas mãos cobertas de
sangue, não tive outra escolha, senão esconder aquele corpo em minha casa. Fiz
questão de arrastá-lo pelo asfalto, deixando as suas costas em carne viva e amarrei-o em uma cadeira de metal no quarto dos fundos.
Respirei pesado, fui
para a cozinha tomar uma dose de Whiskey e esfriar a cabeça e então subi
novamente ao quanto onde minha filha repousava e abracei-a. - "Perdão meu
amor." - Chorei e solucei até que minhas forças acabassem - "Me
perdoa, minha linda." - Sentia o frio do seu pequeno corpinho sobre o
meu. - "Perdoa o papai, eu não queria que isso acontecesse com você.
Perdoa, minha princesinha, me perdoa." - Cerrei os olhos encharcados de
lágrimas e berrei - "Por quê, meu Deus? Porque isso está acontecendo
comigo?" - Esfreguei meu braço contra os olhos e narina, tentando limpar
minha face. "Porque isso teve de acontecer com minha princesinha?"
Outra vez, um som
ecoou lá em baixo, era minha vez de controlar o destino.
Este conto faz parte da série Indomável. Esse flashback e o próximo conto podem ser lidos sem o conhecimento prévio da história, entretanto o fim só fará sentido para os que leram a parte 1, 2 e 3.
Nossa, tenso...
ResponderExcluirSó n foi mais tenso pq algo quebrou minha concentração: O nome dela era Laura ou Julia? Acontece de a gente se confundir e acabar dando mais de um nome a um personagem (eu ja cheguei a dar 3 rs) mas temos de reler e ficar atentos...
Fora isso eu acho que é o texto mais carregado de sentimento de toda a serie. Parabéns Rainier
Onde vc viu Laura??? Kkkk... Valeu pela dica, já corrigi.
ExcluirEspero que goste da próxima parte.
Há Braços!