Por: Géssica da Rosa
Seu Alcebíades conhecia o homem,
mas não se recordou que fosse irmão da moça do quinhentos e doze.
Chegou à portaria trajando um terno escuro e pediu a chave do
apartamento da irmã. Tinha em mãos uma caixa com um laço
verde-esmeralda e disse que queria presentear a moça. O velho avisou
que ela não estava em casa, mas ele disse que gostaria de fazer uma
surpresa e aproveitaria o fato de ela não estar.
Hesitante, o porteiro entregou a
chave a ele e deixou que subisse. O homem abriu a porta e observou o
ambiente. Era um apartamento de quarenta metros quadrados, um quarto
só, com a sacada de frente para a rua. Deixou o embrulho sobre a
bancada da cozinha americana e foi até o banheiro. Abriu o armário
de medicamentos e pegou o frasco de ansiolítico que a irmã usava
para controlar as crises de pânico. Substituiu as pílulas pelas de
metanfetamina que tinha no bolso da calça. Já presenciara suas
crises e sabia que a moça não ingeria apenas um comprimido do
medicamento. E com aquelas pílulas não seria diferente. Mas o
efeito seria outro, o oposto. E altamente eficaz. Se tudo ocorresse
como ele previra, em algumas horas ela estaria sem vida. E o melhor:
jamais suspeitariam dele. Afinal, ela própria poderia estar fazendo
uso dessa droga para se sentir, digamos, mais alegre. Ou mesmo
desejar ter uma overdose e cometer suicídio.
Após trocar os comprimidos, ele
retornou para a sala e a gata veio enroscar-se em suas pernas. Olhou
para o animal por um instante e teve uma ideia. Foi à cozinha e
retirou a faca da gaveta. Pegou a felina sob miadas de protesto e a
levou até a banheira, onde fez o serviço. Com um golpe certeiro,
separou a cabeça do corpo peludo, deixando borrifos escarlates nos
azulejos imaculadamente brancos. Sentiu o sangue quente do animal lhe
provocar arrepios de satisfação em todo o corpo. Ainda bem que não
havia se sujado muito, não queria chamar atenção do porteiro
quando saísse. Despiu o paletó sujo de sangue e foi à cozinha para
pegar um prato no armário. De volta ao lavatório, colocou a cabeça
do pobre bicho na louça, formando uma horrenda obra de arte.
Deixou o corpo do animal dentro
da banheira, limpou as digitais da faca e das bordas do prato onde
havia tocado. Devolveu o instrumento cortante à gaveta, lavou o pano
que usara para limpar os vestígios, e foi até a mesinha do telefone
onde destacou uma folha de um bloco e escreveu os seguintes dizeres:
“Uma surpresinha para minha querida irmã. Com carinho.”.
Prendeu o bilhete sob o prato,
deixando-o sobre o vaso sanitário. Dobrou o paletó de modo a
esconder as manchas de sangue e pegou a caixa que ficara na bancada.
Limpou as digitais da maçaneta ao sair e desceu pelas escadas. No
térreo, o porteiro olhou-o com expressão de interrogação ao vê-lo
com o embrulho em mãos. Com um sorriso sedutor nos lábios, o homem
respondeu que passaria outro dia para deixar o presente para a irmã.
O velho recebeu as chaves e,
encolhendo os ombros, observou o homem sair pela porta. Ponderou se
deveria avisar a moça que o irmão estivera ali, mas logo desistiu
da ideia, pois assim estragaria a surpresa que ele preparara para a
jovem.
***
Liana abriu a porta, exausta.
Foi até a geladeira e bebeu uma garrafa de água de um gole só.
Perguntou-se onde estaria Nico, a gata, que não viera recebê-la com
o habitual roçar entre suas pernas. Decidiu tomar um banho para
relaxar, mas, ao entrar no banheiro e deparar-se com a diabólica
visão do animal esquartejado, sentiu náuseas e as lágrimas
brotaram de seus olhos cinzentos. Leu o bilhete que havia sido
deixado junto da cabeça sobre o prato, rasgou-o e jogou os pedaços
na banheira.
Subitamente, os tremores
invadiram seu corpo e ela vomitou no mesmo lugar onde o corpo sem
cabeça da felina jazia banhado em sangue. Era o pânico. Sabia quem
havia deixado aquela surpresa macabra. Não conteve o surto, mas
começou a limpar aquela parafernália mesmo assim. Jogou o cadáver
e a cabeça do animal junto com o prato em um saco preto, ligou o
chuveiro para remover as manchas vermelhas e os vestígios do seu
almoço da banheira e da parede.
Aproveitou para tirar a roupa e
tomar um banho frio, com a visão infernal da sua gata banhada em
sangue embrulhando o estômago. Terminado o banho, enrolou-se na
toalha e foi para o quarto vestir-se, deixando o saco com os restos
ao lado da banheira. Não conseguia controlar os tremores e a
sensação de desorientação. Voltou ao banheiro e abriu o armário
de medicamentos. Pegou cinco pílulas do ansiolítico, as lágrimas
lavando o seu rosto, e tomou tudo de uma vez só.
Foi para o sofá em prantos e
encolheu-se como uma criança em posição fetal. Alguns minutos
depois, pôde sentir o coração disparar e uma agitação
inexplicável lhe invadir. Sentiu o sangue correr pelas narinas e
tremores involuntários nas mãos e pernas. Cambaleante, tentou
agarrar o telefone para pedir ajuda, mas caiu no tapete
convulsionando. Minutos depois, jazia imóvel no chão da sala.
Adorei... tem continuação? Bah, show!
ResponderExcluirObrigada, Ivan! Na verdade tem sim. Esse conto é fragmento de uma história que estou escrevendo. Junto com esse, poderão vir outros.
ExcluirEle começou bem, veio caminhando legal, mas terminou muito brusco... ficou realmente como um fragmento e não como um conto... Só senti falta de um final, de um motivo, qualquer coisa... Pra mim o final ficou bem morto - sem trocadilhos...
ResponderExcluirMas de todos os modos, parabens pelo desenrolar da historia.
Obrigada pelas dicas, Engel! É bom saber o que as pessoas acham do texto para eu poder trabalhar melhor no final (e outras partes) dos próximos. Valeu!
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