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segunda-feira, 10 de junho de 2013

A outra parte de mim II

        
           Correndo descalça pelo corredor frio, ela apertou forte nas mãos, os trapos que restam de suas vestes. Não conseguia deixar de pensar naquela "pessoa" que a tivera salvo: um tigre, um monstro, uma pessoa... Ela sabia que algo acontecia dentro dela, e que ela mudava a aparência, mas seria ela também um tigre branco? Seus pensamentos foram interrompidos ao pisar em uma poça de sangue quente.
       Era como despertar de um sonho, para um pesadelo. Seus pezinhos encardidos estavam sobre uma marca de sangue no chão.
Seguiu com os olhos aquele rastro, até uma sala ao lado; uma cela, parecida com aquela que ela estava presa. Seu coração temia com o que poderia ver lá dentro, mas ela sabia que não havia muita escolha. Caminhou ate o umbral e esticou o pescoço para poder avistar o interior da cela e o que viu, a fez sentir-se apavorada e enjoada ao mesmo tempo: Uma criança, talvez um menino, menor do que ela, com vários buracos de bala por todo o corpo. Provavelmente foste alvejado por um dos guardas que andam pelos corredores, mas, por quê? Porque alguém seria tao violento com uma criança tão pequena?
         Desesperada, ela decidiu correr em frente, seguindo o corredor, de cabeça baixa para não ter que olhar para nenhuma outra cela. Perguntas massacravam sua mente, mas nenhuma resposta plausível aparecia, e o pânico não ajudava nada.
        O Corredor então tomou uma tonalidade avermelhada... Ela tirou as maos do rosto e arriscou olhar para frente: muitas pessoas mortas. Homens e mulheres adultos; alguns vestidos de branco, outros, com uniformes e rifles. Tatiana cobre a boca com as mãos, tentando imaginar o que poderia ter feito aquilo... e então se lembrou de seu salvador: o tigre com garras tão afiadas que podiam cortar uma porta de aço. Os corpos no chão, certamente não eram mais resistentes do que aço, e foram rasgados como papel, jorrando sangue e tripas pra todo lado. Vomitou.
          Caída num canto, botou pra fora sua ultima refeição (que não era muita coisa e tinha gosto de jornal molhado). Tentou se recompor, precisava atravessar aquele corredor. Com cuidado caminhou por entre os corpos e entranhas pulsantes caídas no chão, atravessando aos poucos aquele inferno.
      Seu ânimo retornou apenas quando avistou uma luz no fim do corredor, algo que talvez pudesse ser uma saída.
Inicialmente aquela luz cegou seu olhos, a muito tempo ela não tinha contato com a luz natural. Sentia vento na pele, e ouvia barulhos de pássaros, o que lhe dava uma clara ideia de estar realmente do lado de fora, seja lá onde esteja.
        Gemeu de dor, esfregou os olhos, tentando recuperar-se da ofuscação. Procurou encostar-se em alguma parede, para tentar ficar menos visível para os homens armados. Desejou com todas as forças que sua visão retornasse, sabia que estava a poucos metros da sua fuga, a poucos metros da liberdade, para voltar ver seus pais.
Aos poucos, abriu os olhos, deixando-os se acostumar com a claridade: sentiu melhorar. Levantou a cabeça e mirou os olhos para frente... para descobrir que seria melhor ter continuado cega.
          Viu muitos mais corpos espalhados no chão: eles estavam tão horrivelmente mutilados que era impossível saber se eram adultos ou crianças, homens ou mulheres. Seus olhos giraram muito rápido, tinha muita coisa para ver: ao mesmo tempo em que estava apavorada. O lugar era cercado por muros, e ao que parecia, era situado em uma floresta. Mais a frente, avistou também um portão derrubado. Num choque ela ficou de pé: aquele sangue não era preocupação dela, deveria correr e se salvar, antes que o que aconteceu com aqueles mortos, acontecesse com ela.
           Correu. Seu sangue estava quente e o coração acelerado.
       Seus passos eram ágeis e seu corpo forte: sentia que poderia correr muitos quilômetros sem ao menos soar.
      O portão parecia longe, mas em poucos passos, ela o alcança, agora era ela e a floresta...
- Olha só o que nos apareceu aqui! - disse um homem.
- Mais uma fugitiva, mas essa é mais crescidinha que os outros hun?
Eram guardas, eles riam.
       No chão, aos pés do guarda, havia o corpo de um menino. Sua boca aberta ainda trazia seu ultimo suspiro de vida. Os guardas vestiam uniforme azul escuro, e seus rostos eram cobertos por uma mascara tecnológica, com olhos vermelhos como faróis. Eles apontam seus rifles para ela.
- Parada aí mocinha, é o fim da linha pra você.
- Temos ordens para eliminar todos os elementos fugitivos, isso te inclui.
    Eles se aproximaram lentamente; Tatiana sentiu suas forças sumirem, sua esperança fora massacrada, assim como seu espírito.
         Por reflexo, ela levantou as mãos, rendendo-se.
      Sem dizer nada, lhe acertam uma coronhada violenta no rosto, fazendo-a cair. Atordoada, ela sentiu sangue na boca, e possivelmente um dente a menos . Ouviu risos.
- Cara eu vou primeiro dessa vez, você foi na outra.
- Tá ok, nao faz diferença mesmo... ela vai pro latão com todos os outros.
Tati sentiu os poucos panos que vestia sendo tirados dela com força. Sentiu também as mãos asquerosas dele passando por seu corpo, aliciando-a, onde não deveria.
    O molestador dizia palavras obscenas, e o outro apenas dava risada. Ela estava muito desesperada: não havia pra onde correr, nem o que fazer, seria estuprada de modo cruel e morta em seguida. Nos dois anos que ficou presa, nunca imaginou um final feliz para si, mas certamente não esperava acabar assim. Começou a gritar de medo e dor, implorando ajuda, mas ao que parecia, seus gritos davam aos homens ainda mais prazer.
- Por favor, para com isso!
     Mas eles apenas davam mais e mais risadas.
        Sentiu raiva.
       O medo e o desespero, rapidamente foram sufocados pelo sentimento de raiva que explodia em seu coração. Apertou os dentes com força; quanto mais dor ele causava ao seu corpo, mais o ódio pulsava dentro dela. A pele de seu rosto estiicou-se como se fosse borracha. Sua mandíbula saltou pra fora, alongando-se. Os dentes pularam, dobrando de tamanho. Suas unhas deram lugar a longas garras negras.
Ela não sabia o que lhe acontecia, mas sabia, que estava acontecendo “aquilo” outra vez. Aquela sensação de liberdade e força...

“Exploda! Deixa sair! Você quer que eles morram, não quer?”

              Com um chute, ela afasta o homem que estava em cima dela, jogando-o ao chão.
- Mas que porra! Esta daqui não ta incompleta!
     Tatiana levantou-se, rosnando. Sua cauda esticava-se fora da sua coluna enquanto pelo cinzento cobria seu corpo como mágica.
-Atira! atira nela!
         A transformação estava completa. O lobisomem cinza mirou seus olhos amarelos na direção do homem que estava de pé. Como um raio, soltou sobre ele com a boca aberta.
A mordida o atingiu entre o ombro e o pescoço, antes que pudesse apertar o gatilho.
            Com ódio, ela o estraçalhou com unhas e dentes; arrancando os braços do guarda.
Tati atirou para longe a carcaça do homem... mas ainda faltava o outro. Com os dentes escorrendo sangue, ela o olhou, ele ainda estava no chão.
- Não... não chega perto!
Ele sacou uma pistola e apontou para ela, mas a garota ignorou a ameaça. Sua mente raivosa ainda se lembrava da coronhada e da violação a seu corpo.
BANG BANG
            Os tiros a atingiram no peito.
         Doeu.
        Saltou sobre o agressor, soltando todo o peso do seu corpo. Certificou-se de mastigar o braço que estava segurando a arma. Com as duas mãos, ela quebrou o crânio dele como se fosse um ovo.
            Levantou-se uivando vitoriosamente.
       Porem, seu ódio ainda não tinha acabado, ela ainda queria mais sangue, queria matar e causar dor a mais pessoas.
 - Já chega Tatiana. Eles morreram.
       Uma voz veio de trás.
      Num pulo, ela se virou na direção da voz e viu um rapaz de cabelos loiros e sem camisa. Seu corpo trazia marcas de tortura.
          Atrás dele, haviam outras crianças, agarradas umas as outras, assustadas.
     As palavras dele soavam confusas: ao menos tempo que ela queria parar com isso, ela tinha desejos de rasgar mais carne.
      Rosnando, ela aproxima-se dele.
- Controle-se, monstro! - gritou ele, firmemente.
     Com um golpe, ela tentou atingi-lo no rosto, mas ele esquivou-se, dobrando o corpo para trás.
- Tudo bem menina. Vou ter que te proteger de você mesma.
       Com um grito, o rapaz transforma-se: sua massa muscular aumentou e seu corpo ficou coberto de pelos branco e pretos.
      Semelhante ao que acontecia com ela, com a diferença que ao invés de um lobo cinza, ele ganhou uma forma mais felina, muito bonita e assustadora.
      Um tigre branco.
- Prepare-se, lobinha.


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