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segunda-feira, 3 de junho de 2013

A outra parte de mim (parte 1)

            
            Dia 15 de Agosto de 2006, foi quando começou. O primeiro incidente; Tatiana Sanchez, idade doze anos.

          Eram dez e quarenta da manhã, o recreio recém tinha terminado. A sala estava em silencio durante a prova de matemática, e como de costume, a maioria dos alunos estava muito nervosa. Tatiana era uma dessas pessoas. Noite passada ela teve um sonho estranho; sonhou que corria selvagem no mato, e era capturada e enjaulada como um animal. Apesar do medo, ela sentiu ao acordar, uma sensação de liberdade e força. Na verdade, vinha tendo esses sonhos a alguns dias, mas nunca comentou pra ninguém.

           Ela despertou do seu transe; estava lembrando do sonho e esqueceu da prova, ali na sua frente. O professor; um gordinho de oculos de aro redondo, estava de braços cruzando, olhando-a com olhar de reprovação. Ela sabia o que ele estava pensando: pensava no quanto vai amar dar notas vermelhas pra ela e para mais uns na turma. Ele era ruim, gostava de ser mal, e isso a irritava.

           Aqueles números e cálculos na sua frente também a irritavam; pareciam estar rindo dela, de sua falta de concentrarão. A prova estava irritante. Isso sem falar nas pontadas que estava sentido no peito, a manhã toda. Era como se a cada dez minutos, alguemlhe enfiasse uma estaca no coração, como fazem com vampiros nos livros e nos filmes.

No silencio, só se ouvia barulhos dos lápis riscando papel; o professor foi sentar-se em sua mesa, olhando a sala toda com olhos atentos, pronto para pegar um infrator.

         Sem motivo algum as pontadas começaram a aumentar, assim como a dor causada por elas. Tatiana rangeu os dentes; era como se algo dentro dela estivesse rasgando-a, querendo sair; devorando sua carne e ossos. Parecia seu peito iria explodir. Apertou os olhos tentando suportar a dor sem fazer barulho.

O silencio foi rompido por pequenos gemidos de dor. Os colegas a olhavam, assustados . O professor ficou de pé, encarando-a, pronto para arrancar a prova das mãos dela, pronto para abusar da sua autoridade como professor malvado de matemática.



“Liberte-se, libere-se, deixe sair, deixe explodir, você não pode segurar o desejo...”

       
Uma voz dizia em sua mente... pendido-a para parar e segurar.

As dores pioram: se antes estavam incomodando, agora passaram a ser insuportáveis. Tatiana derrubou o lápis no chão, sentia muito calor. Seu rosto se torcia de dor e os gemidos viraram gritos. Ela levantou da cadeira, gritando e com as mãos no peito, como se estivesse tendo um ataque cardíaco. E então começou:

Seu corpo ficou mais largo, sua pele, escura. A mão torcia e girava como se estivesse sem ossos, as unhas caíram no chão. O rosto alongou-se para frente, com os dentes para fora da boca. Sua pele esticou até começar a rasgar como pano, revelando uma segunda pele por baixo, uma pele coberta de pelos cinzentos. As orelhas ficaram compridas e pontudas e os cabelos ficaram cinzentos, como os pelos. Os olhos ganharam uma cor amarelada e os dentes triplicaram de tamanho. Nos braços podiam-se ver músculos sólidos. A mão rasgou-se, deixando sair uma nova mão com unhas negras compridas.

            Ela gritou mais uma vez, pedindo socorro, mas todos estavam paralisados de medo olhando-a se rasgar toda daquele jeito. Seus olhos incharam como balões, girando loucamente fora das órbitas, quando então explodiram como uma bolha de água, revelando um novo par de olhos por baixo.

        A garota ficou de pé, derrubando a mesa da escola. Os outros alunos se afastaram gritando, enquanto ela levava as mãos à cabeça, rosnando de dor e raiva. Com as garras, rasgou e arrancou a carne do próprio rosto. Seus pés tornaram-se patas como de cachorro, destruindo totalmente seu tênis e uma cauda esticou-se para fora de sua coluna, Tatiana tinha se tornado, um híbrido de lobo e humano, com pelos cinzas, quase o dobro do tamanho... linda, majestosa mas ainda assim, furiosa.

            Liberou um uivo alto e estridente, intimidando todos a sua volta, fazendo-os calar seus choros e gritos. Sua mente estava perdida na mente da besta, ela olhava ao redor e não reconhecia ninguém. Rosnou raivosamente para todos em especial para o professor:, sentia ódio especial por aquele homem de jaleco branco. Ele falava coisas... Coisas que ela não entendia e que a irritavam.

             Rápida como um relâmpago, Tatiana pulou sobre o professor e decepou sua cabeça com as garras de navalha. O corpo do professor caiu no chão como uma boneca de pano e a cabeça voou pela janela, quebrando-a. Os alunos ameaçam começar a gritar, mas Tatiana virou seu olhar amarelo e paralisante para eles e para eles, fazendo-os calar-se.

Sem saber o que fazer, a garota saltou pela janela da sala. A sala era no segundo andar, e sempre lhe pareceu alta, mas dessa vez não; caiu suavemente no chão, com graça e sutileza.

        Um lobisomem cinza correu pelo pátio, atropelando crianças e outros empregados. Em poucos minutos o caos era total, todos evacuaram a escola, correndo e gritando por suas vidas.

Tatiana entrou no banheiro, onde começou a sentir mais dores. Seu enorme corpo lupino caiu no chão, rosnando de ódio, mas, por algum motivo, muito enfraquecida.

Não se sabe quanto tempo ela ficou ali caída, foi quando então, “ele” apareceu. Entrou no banheiro e encarou a fera no chão; aquilo não era novidade para ele, já tinha visto aquela situação, ela estava morrendo.



     -  A besta está tomando sua mente – disse a ela. Sua transformação tem um efeito colateral terrível.

Ele sabia que ela o ouvia e entendia, só não conseguia reagir às palavras dele. Essa era a melhor hora para a aproximação, quando a besta enfraquece, qualquer outra hora ela teria matado-o. Tirou do casaco uma seringa com um “tranquilizante” potente, na verdade, um remédio para ajudar os transformos a se controlarem.

-  Por sorte eu posso fazer algo por você.

Injetou o conteúdo em seu pescoço e esperou o resultado... O uivo de dor foi lentamente diminuindo, tornando-se um gemido de menina, e em minutos, Tatiana está de volta em sua antiga forma, com as roupas destruídas... O remédio funcionou, ela está viva.

             Logo depois, umas pessoas de roupas brancas apareceu: eles cobriram o corpo dela com um pano preto e a levamos dali como se estivesse morta.

Tatiana Sanchez foi um dos que não morreram, mas ainda faltavam localizar quatro... quatro outros como ela. Quatro que “eles” não queriam perder de maneira alguma.

           Ela acordou em uma sala pequena e tétrica. Era manhã, como todas as manhãs têm sido à dois anos. Não sabe o que lhe aconteceu; estava um dia na escola e aí não lembra de muita coisa; tudo parece nebuloso e distante.

Seu nome era Tatiana. Ainda lembrava-se do seu nome, pois tinha escrito-o com sangue, na parede. As vezes, lia e repetia o próprio nome diversas vezes para não esquece-lo.

          Ninguém nunca a explicou o que aconteceu aquele dia, e nem porque ela estava presa a tanto tempo. A sala era pequena, com paredes de concreto e uma porta metálica. Uma vez por dia, uma bandeja com comida era atirada para dentro. No começo ela tentava gritar por ajuda, mas logo viu que isso era inútil, a ajuda nunca viria.

Pensou em se matar várias vezes, cortando os pulsos com os próprios dentes; em seu desespero, mordeu-se com força, mas, por algum motivo, suas feridas cicatrizam-se numa velocidade assustadora. Era tão rapido que ela conseguia ver a ferida fechando sozinha.

Resolveu fazer disso um passatempo; se cortava e arranhava, só pra ver a ferida fechando.

Não tem certeza de quanto tempo passou ali presa; perdeu a conta das horas e dos dias. Desistiu de falar e gritar, só ainda não desistiu de viver, poque não conseguia morrer. “Tem que haver um motivo para eu estar viva” pensava.

Um dia a porta foi aberta. A luz cegou os olhos de Tatiana e ela só conseguia ver vultos entrando. Pegaram-na e a levaram para uma sala estranha, parecia uma sala de dentista, com maquinas estranhas e agulhas. Por algumas horas os homens furaram sua pele, retiraram seu sangue, amostras de pele e cabelos. A garota implorou para ser solta,mas eles a ignoravam, era como se estivesse muda. Seus braços e pernas estavam fortemente presos na mesa de cirurgia.

Seu ódio e sua dor chegaram num ponto máximo; ela sentia que a sanidade tivera abandonado sua mente, rosnando e gritando. Desejava rasgar e matar todos naquela sala.Sentiu-se forte e superior a todos, iria estraçalhar eles, um por um... Porém, quando começou a acreditar que seria livre... Acordou na mesma sala de sempre. Nenhuma ferida no corpo.

Seu rosto estava colado no chão frio daquela odiosa sala. Seus olhos estavam entreabertos, não queria acordar e não queria levantar. Não houve fuga e talvez nunca haja. “Será que se eu ficar sem comer eu poderei morrer?” É possível, pensa ela. Não importa mais o porquê de a quererem viva, Tatiana agora prefere estar morta... Mas a idéia a fazia tremer de pavor; morrer de fome deve ser uma morte horrível e dolorosa.

No chão ela ficou, não se sabe por quanto tempo; sentia-se sonolenta, quase dormindo, mas ainda acordada, num estado de meio sono, com meios sonhos. Nesses sonhos, ela está sempre em casa, com seus pais, feliz, mas no final do dia, ela se transformava num monstro e os matava...e então,acordava.

E foi assim, em mais uma manhã de devaneios impossíveis, que aconteceu: a porta metálica veio abaixo, rasgada como uma folha de papel. Tatiana abriu os olhos e se encolheu em um canto da sala, enquanto garras rasgavam a porta pelo por fora.

Seus olhos quase cegos conseguiram notar uma forma naquela silhueta a sua frente: era grande e largo. Esfregou os olhos para enxergar melhor, mas não acreditou no que tinha visto: Era um tigre. Um tigre branco de dois metros de altura, bípede e com um olhar muito humano.

- Fuja.

         O tigre falou num rosnado, assustando-a.

         - Vamos! Fuja daqui! É sua única chance! Vou soltar os outros!

Tatiana ainda estava atordoada com aquela visão, mas a palavra fuga a despertou. Esse era seu momento, sua chance de sair dali, entender o que estava acontecendo e quem sabe até voltar a sua vida de antes. O tigre já se foi, correndo pelo corredor, deixando-a só. Decidiu fazer o mesmo; correu até a porta... Olhou para os lados, escolheu um caminho e saiu.


3 comentários:

  1. Sensacional Ramon! Muito bem descrita a transformação da garota, e a sensação da prisão lembra um mix de Old Boy e V de Vingança.

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  2. E agora?? Terei que esperar uma semana para saber o que vai acontecer?? Que MALDADE Ra! >_<

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  3. muito bem escrito (descrição show). Parabéns Ramon

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