O traço negro do editor de textos piscava na
tela do computador de Geraldo. Depois de seis meses, finalmente chegou ao
capítulo final (número sessenta e seis) de seu novo romance de terror. Todavia,
por alguma estranha razão não conseguia se conectar emocionalmente ao desfecho
para conferir à narração a intensidade que tantos leitores conquistou.
A parte final já tinha um nome, mas a palavra
soava vazia aos ouvidos de Geraldo, principalmente por tê-la lido mais de cem
vezes.
—Como? – indagou-se, almejando capturar,
quase por milagre, o sentido oculto na esfera mais profunda da palavra.
A carreira de escritor deixou Geraldo
obcecado pela busca da perfeita tradução de sentimentos em escrita. Mesmo sendo
frustrado a cada novo lançamento, julgava-se no caminho certo, ascendendo para
o seu paraíso particular.
Na conta bancária dele, constava um número
com onze dígitos, porém a fortuna só lhe garantiu chegar aos setenta anos sem
uma esposa ou filhos, mas com uma mansão luxuosa e vários empregados. A solidão
não era devido a uma personalidade intragável e sim por um destes infortúnios
do destino que se abatem sobre boas pessoas.
Os cabelos ralos e brancos, a pele flácida, a
musculatura débil, acompanhada de ossos frágeis, representavam o seu nível de
esperança com a vida. A excelência profissional era a única coisa que o
mantinha preso na teia da vida.
Finalmente ousou dar o salto para o ponto
final. O que rompeu o silêncio não foi o bater de dedos no teclado, mas o
estalar do pescoço de Geraldo tencionado pela corda presa ao teto do quarto.
Tentou, movido pelo desesperador gesto da vida querendo se preservar, afrouxar
o laço ao redor do seu pescoço, entretanto foi uma ação em vão. Espumou como um
cão raivoso, além de urinar e defecar na própria calça.
Antes de afundar na não-existência, encarou
mais uma vez o título do capítulo final: M – E – D – O...
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