Pages

domingo, 12 de maio de 2013

M - E - D - O



O traço negro do editor de textos piscava na tela do computador de Geraldo. Depois de seis meses, finalmente chegou ao capítulo final (número sessenta e seis) de seu novo romance de terror. Todavia, por alguma estranha razão não conseguia se conectar emocionalmente ao desfecho para conferir à narração a intensidade que tantos leitores conquistou.

A parte final já tinha um nome, mas a palavra soava vazia aos ouvidos de Geraldo, principalmente por tê-la lido mais de cem vezes.

—Como? – indagou-se, almejando capturar, quase por milagre, o sentido oculto na esfera mais profunda da palavra.

A carreira de escritor deixou Geraldo obcecado pela busca da perfeita tradução de sentimentos em escrita. Mesmo sendo frustrado a cada novo lançamento, julgava-se no caminho certo, ascendendo para o seu paraíso particular.

Na conta bancária dele, constava um número com onze dígitos, porém a fortuna só lhe garantiu chegar aos setenta anos sem uma esposa ou filhos, mas com uma mansão luxuosa e vários empregados. A solidão não era devido a uma personalidade intragável e sim por um destes infortúnios do destino que se abatem sobre boas pessoas.

Os cabelos ralos e brancos, a pele flácida, a musculatura débil, acompanhada de ossos frágeis, representavam o seu nível de esperança com a vida. A excelência profissional era a única coisa que o mantinha preso na teia da vida.

Finalmente ousou dar o salto para o ponto final. O que rompeu o silêncio não foi o bater de dedos no teclado, mas o estalar do pescoço de Geraldo tencionado pela corda presa ao teto do quarto. Tentou, movido pelo desesperador gesto da vida querendo se preservar, afrouxar o laço ao redor do seu pescoço, entretanto foi uma ação em vão. Espumou como um cão raivoso, além de urinar e defecar na própria calça.

Antes de afundar na não-existência, encarou mais uma vez o título do capítulo final: M – E – D – O...

Nenhum comentário:

Postar um comentário