Thais e Tatiana estavam boquiabertas; aquele rapaz do sonho, o tal príncipe, era ele ali na frente delas.
- O que...o que significa isso? - gaguejou Thais, recuando.
O rapaz bonito desceu um lance de degraus, aproximando-se um pouco mais.
- Eu sinto muito que tenhamos que nos rever numa situação dessas, depois de tanto tempo.
As meninas fizeram cara de confusas. O que ele queria dizer com "tanto tempo"?
Dentro dos tubos de vidro, as ainda incompletas Sirens se remexiam, de olhos fechados, como se tivessem tendo pesadelos. Os olhos da pequena giravam pelo local; era muita coisa pra uma só mente, ela se sentia totalmente perdida.
- O que quer dizer com "tanto tempo"? - perguntou a mais velha, arriscando um passo à frente.
O suposto príncipe franziu a testa e fez cara de desapontado. Soltou um longo suspiro e falou:
- Ah Garuda... justo você, minha sentinela favorita. Me quebra o coração te ver dessa forma...
- Vai se foder cara! que historia é essa?
Ela quis avançar, mas foi segurada por Fred. Protestou e tentou se soltar, mas ele não a deixou.
- Me solta! a doido? o que ta acontecendo aqui? quem é esse cara e porque ele diz que em conhece?
Fred não respondeu. Continuou a segura-la por trás, em silencio.
- Obrigado Krey. - disse ele. - Caminhou até o cientista e sem olha pra ele, disse: - Eu te disse Dr. Barnes, Krey é leal a mim. Era só uma questão de tempo até o garoto digerir a ideia e aceitar seu lugar.
- Porque ele tá te chamando de Krey? Fred! fala comigo! o que tá acontecendo?
Mais uma vez o rapaz bonito suspira tristemente.
- Eu não aguento isso. Vê-la dessa forma me magoa muito. Depois de todos esses anos, todos esses experimentos... - olhou a sua volta, para as Sirens - recriando esse monte de copias inuteis para finalmente chegar a você... e ainda assim, um fracasso.
- Eu sinto muito senhor Abssalis. - disse o velho cientista.
- Não é sua culpa Dr. Barnes. Meu projeto ainda é grande demais para esse mundo e para a atual tecnologia. Mas fico satisfeito em saber que ao menos Krey está comigo mais uma vez, certo Krey?
Olhou diretamente para Fred.
- Sim, príncipe Abssalis. Eu estou com o senhor, pela velha glória de Atlantis. Deixe as garotas irem embora. O despertar falhou com elas mas não precisa mata-las. Ainda podemos tentar desperta-las daqui alguns anos.
- Não Krey. Eu não suporto viver sabendo que meus amigos mais queridos estão vivendo em corpos humanos, apagados da existência. Mate-as Krey, por favor, quanto mais cedo elas morrerem, mais cedo...
- Não vou mata-las. Chega de mortes, já morreu gente demais. Deixe-as ir.
Thais estava perplexa; Fred estava conversando com aquele homem, e estava aceitando ser chamado por outro nome. Então ele sabia mesmo o que estava acontecendo, ele sempre soube, aquele tempo todo.
- Você está desobedecendo uma ordem direta minha Krey?
- Você ja tem o que queria, não precisa...
- O QUE EU QUERIA? - grita ele, cortando Fred - O que eu queria era meus amigos comigo mais uma vez! mas só você voltou! Olhe pra essas duas! não são nem a sombra do que costumavam ser! Garuda era leal a mim, você lembra? o que ela tem de parecido com essa menina estranbelhada aí? NADA! Falhei Krey, eu falhei com vocês todos, mais uma vez! Mais uma vez depois de tantos anos!
O príncipe tomou ar, se recompôs e continuou, mais calmo:
- Mas está tudo bem. O reconstituidor mental está quase perfeito. Funcionou em você, trouxe você de volta. Wukari já foi morto pelos Frogs, e essas duas também já estariam, se você não estivesse ajudando-as. Estou disposto a perdoar seus erros se as matar agora. Não me force a te matar, velho amigo.
Fred sentiu Thais amolecendo em seus braços. Iria morrer assim? como se fosse um rato de laboratório que perdeu a utilidade?
Tatiana continuava quieta, de cabeça baixa.
- Então vai ter que me matar, meu príncipe. - soltou Thais - Chega de mortes, essas pessoas desse mundo não precisam pagar pelo nosso passado. Acabou! Se não tivesse sido um covarde com deveria ter sido bravo, nada disso teria acontecido. Pode me matar, eu não quero mais servir o covarde sem princípios que você se tornou.
Triste, o principe tirou do bolso um tipo de pistola e apontou para ele.
- Você... como se atreve a me culpar por isso tudo? Atlantis foi destruída. Todos morreram Krey, Todos. Eu consegui preservar as almas de vocês para que um dia pudéssemos ficar juntos mais uma vez... e é assim que me agradece? me chamando de covarde e sem princípios?
- Olhe a sua volta, Abssalis. Quantas crianças você matou nessa sua brincadeira? Crianças. Pequenas e frágeis crianças. O homem bom e gentil que você era, morreu com nosso mundo. Tudo que sobrou do meu amigo, é uma alma retorcida pelo medo e pela raiva. Meu juramento não foi com tal homem. Não devo por que obedecer.
- Entendo. Não em deixa outra opção. Adeus Krey.
Uma bandeja médica voou até o príncipe, arrancando a arma de sua mão. Todos olharam para trás e viram Tatiana, de cabeça erguida, olhando para Abssalis, com firmeza.
- Meu nome é Wendigo... e eu me lembro de tudo.
Abssalis arregalou os olhos. Então, Wendigo havia despertado no corpo da menina.
- Tati? - perguntou Thais indo ate ela. - o que você ta falando?
Tatiana gentilmente a afasta, sem tirar os olhos do príncipe. A voz dela estava firme e forte e seu olhar era igualmente firme.
- Majestade, eu concordo com Krey - disse a pequena - passou dos limites. As pessoas desse mundo não podem ser massacradas a seu bel prazer só porque tem medo de ficar sozinho.
- Wendigo! você também está nessa de poupar os humanos? o que há com vocês dois? E quanto à glória de Atlantis?
- Acabou Atlantis! - gritou ela - Se precisa mesmo continuar com seu massacre à essa raça, pelo menos nos deixe fora disso! Você não sabe o que se passa pelos corações deles, porque você nunca esteve na pele de um! Mas o medo... a dor... tudo neles, é bem real pra nós! Não importa quantas vezes você nos reviva e nem por quantos corpos passaremos, nós não vamos nos unir a você e defender suas ideias doentias.
- Eu concordo com Wendigo - disse Fred - Se Wukari e Garuda estivessem aqui, pensariam igual. Nós fomos seus guardiões. Amávamos nosso mundo e nosso povo, mas agora acabou. Você mesmo disse, todos morreram. Pare de sujar de sangue o nome de Atlantis. Aceite que acabou. Faço das palavras de Wendigo, as minhas: não importa quantas vezes tente me despertar, eu não vou servi-lo. Pode me matar se quiser.
Thais estava perdida: agora até Tati estava entendendo tudo, menos ela? ela deveria ser alguém chamada Garuda? e Fred se chama Krey. Tatiana se chama Wendigo?
- Mas o que que ta acontecendo aqui... alguém me explica, por favor... - chorou ela, mais pra si mesma do que para mais alguém.
- Não! isso não pode estar acontecendo! eu fiquei séculos nesse mundo, aguentando esse humanos e pra que? pra isso? esse tempo todo, a alma de vocês foi de corpo em corpo, reencarnando, enquanto minha magia sumia! eu tive que esperar esse mundinho evoluir o bastante para poderem recriar algo semelhante à nossa tecnologia, e agora, que o recuperador mental está pronto... vocês se rebelam contra mim!
Abssalis correu até a pistola caída e a pegou. Apontou-a para Tati e Fred, em desespero. Ele continuava a repetir " não não não!" o tempo todo.
- Ele ficou louco. - disse Fred. - Fique atenta...digo, atento...
- Ainda sou eu Fred. Sou Tatiana e Wendigo.
- É bom não ser mais o único a se lembrar.
- O que faremos com ele?
O príncipe apontou a arma para a própria cabeça.
- Abaixe isso Abssalis. - falou Fred.
- Eu não tenho mais motivo para viver. Eu fugi e sobrevivi esses anos todos por vocês. Se não querem aproveitar o presente que lhes dou e dispensam minha companhia, então, eu não preciso mais viver. Vou encarar meu destino, com você mesmo disse Krey. Eu só lamento não ter instalado um dispositivo de autodestruição nesse lugar. Seria um ótimo final, como nos filmes, não acham?
- Abaixe essa arma seu idiota! não vai mudar nada se matando! - gritou Tati.
- Não vou. Mas não ligo mais.
Atirou.
A parede branca atrás dele foi manchada de sangue. O príncipe Abssalis de Atlantis, jazia morto no chão, com a têmpora estourada.
***
- Difícil acreditar... - disse Thais, ainda em choque. -Então eu fui alguém chamado Garuda, um dos quatro guardiões de um mundo chamado Atlantis que não existe a séculos... e minha forma de águia é na verdade a verdadeira face de Garuda? meu outro eu?
- Sim - concordou Fred - e por você não se lembrar de quem tinha sido, ele queria te matar, assim sua alma renasceria em outro corpo e ele poderia mais uma vez tentar te despertar com o recuperador mental.
Estavam num tipo de sala de espera, naquele mesmo andar. Thais estava largada num sofá, ainda em choque, tentando engolir aquilo tudo. o Dr. Barnes estava ali num canto em total silencio.
Tatiana, em sua forma de lobo, entra na sala, carregando duas mochilas cheias de coisas. Ela solta as mochilas no chão junto com outras três
- Acho que eu pai falou a verdade, não tem mais ninguém aqui. Isso é tudo que pude encontrar de útil. - apontou para as 5 mochilas no chão.
- O que fazemos agora? - perguntou Thais, chorando.
- O dr. Barnes... meu pai disse que há um barco nas docas ainda. O ultimo que sobrou desde que todos fugiram. Vamos embora.
- Pra onde? não temos casa, não temos nada! e porque vamos levar seu pai cientista maluco junto?
- Precisamos dele para o barco. Escuta, vamos ficar bem. Recolhemos suprimentos e coisas de valor desse lugar. Vamos voltar para a civilização e vamos fazer nossa vida nova, só eu, você e a Tati.
- Eu e Fred? ou eu e Krey?
- Nada em mim mudou. Desde que me conhece, sou assim, ainda sou o mesmo de antes. A Tati ainda é a mesma... ou quase.
- Ainda sou uma menininha chorona de 14 anos... que as vezes vira um lobo cinzento, antigo guardião de Atlantis. Só isso.
A menina mais velha olhou para todos ali presentes. Só ela ainda não tava aceitando aquilo tudo?
- E as sirens? o que elas são? e o que vai ser delas?
- Elas foram uma tentativa de te clonar... tentar recriar Garuda, artificialmente, dentro do corpo de outra pessoa. não aconteceu bem como o esperado, mas Abssalis soube aproveitar o resultado. Meu pai desligou os aparelhos que as mantinha vivas. Elas vão simplesmente dormir e nunca mais acordar.
Ela se encolheu no sofá, abraçou os joelhos e chorou. Fred a abraçou, tentando acalma-la.
- Me promete uma coisa? - perguntou ela, depois de chorar um pouco.
- O que?
- Que vamos ficar bem.
- Prometo.
Naquela mesma tarde, os quatro estavam embarcando para sumir daquela ilha. O sol se punha enquanto a ilha ficava cada vez menor. estavam todos nervosos. conseguiriam se adaptar a viver entre pessoas novamente? só com o tempo saberiam. Thaís estava pensando nisso tudo, observando a maldita ilha sumir no horizonte. Tatiana se aproximou dela.
- Tá tudo bem?
- Eu tava pensando... eu esperava algo bem diferente...
- Do que?
- De como tudo acabaria. Todos esses dias eu pensava em como seria a verdade... seriamos, robôs? aliens? vitimas de experiências? mutantes? mas não. Nós somos reencarnações de guardiões antigos.
- Eu também pensava nessas coisas, mas... a mente de Wendigo despertou na minha, e quando eu e ele viramos um só, tudo ficou claro. Não fique chateada por não se lembrar. Eu preferia não lembrar dos nossos amigos morrendo e nosso mundo sendo destruído.
- Obrigada...
O destino não era certo para aqueles três jovens. Pra onde quer que vão, levaram consigo, memorias de dor, terror e sofrimento. Suas vidas eram um mistério, mas seja o que for, eles estão certo que vão superar, pois já viveram coisa muito pior.
Tati olha pela ultima vez para a ilha. Será que seus pais ainda pensam nela? qual seria a reação delas ao voltar a vê-la? seria sensato tentar voltar pra eles ou seria melhor simplesmente fazer como disse Fred; seguir em frente criar uma vida nova. Seja como for, Wendigo estará com ela, e não há nada mais para temer.
FIM.