Por: Franz Lima.
Abro os olhos e a dor chega quase que instantaneamente. O mundo está de cabeça para baixo, confuso. Há gritos que me alcançam lentamente. Os dentes doem com a mesma intensidade que os olhos. Meu braço esquerdo está quebrado, sem dúvidas.
Mas o que aconteceu? O que me levou a capotar o carro? Descarto essas questões e parto para o que é mais prático: sobreviver.
Solto o cinto de segurança e meu corpo se choca contra o teto do carro. Os vidros estão quebrados e sinto os cheiros de óleo e gasolina. Isso é péssimo.
A dor me atinge de novo, fazendo questão absoluta de não me deixar esquecer o quanto estou fudido.
Começo a me arrastar para fora do carro e vejo, não muito longe, uma mulher com um dos olhos furado. Ela grita, mas não consigo compreendê-la. Seus passos são desconexos e trôpegos, o que pode indicar que algo realmente a feriu ou, ainda, que ela está drogada. Ergo o ombro do braço ferido e forço a saída. O que se passa a seguir é quase surreal: um caminhão desgovernado atinge a mulher, matando-a de imediato. As rodas do automóvel passam a centímetros do meu corpo. Era para eu ter morrido junto com a mulher, porém o destino me poupou.
O choque de ter escapado me despertou para outra realidade. Muitas pessoas estavam mortas em todo o meu raio de visão. Mulheres, crianças... não havia distinção para o massacre. Que merda estava acontecendo?
Ergui meu corpo e comecei a andar. Eu reconheci o lugar onde o carro ficou capotado, uma rua distante apenas algumas quadras da minha casa.
Mas o que aconteceu?
Sem respostas, restava-me andar. A cada passo, uma nova cena de horror. Era uma guerra? Quais os motivos para tantas mortes? Eu tentei gritar por socorro, sem sucesso. Minha voz e meu corpo mal respondiam. Para piorar, percebi que havia um ferimento profundo próximo ao joelho. O sangue vertia rápido. Onde estava o socorro? Em resposta, vi algo que nunca pensei ver, nem nos meus pesadelos mais sombrios. A mulher atropelada, quase totalmente esmagada, gemia e tentava se arrastar. Mesmo sem as pernas, um pedaço do braço direito e com a face parcialmente destruída, ela gemia e encravava as unhas no asfalto, obtendo alguns pequenos centímetros de deslocamento com aquele esforço. Mas, pensei, como isso poderia ocorrer se era para ela estar morta?
Movido pelo medo, acelerei meus passos. Inegável que aquilo era incomum. Inegável que eu estava em meio a algo muito além da minha compreensão. Fugir era a garantia de sobrevivência.
Forcei ao máximo e acelerei meus passos. Mesmo cambaleante e tonto, meus instintos me guiavam para longe daquele local. Entretanto, a cada novo metro que eu vencia, mais minha mente entendia o contexto em que fui inserido. Casas queimavam e gritos ecoavam para, rapidamente, serem silenciados. O cheiro de sangue e morte estava impregnado no ar, nauseante. Seria realmente o apocalipse, o bíblico fim do mundo?
Virei ao ouvir um som metálico. Era o motorista do caminhão, também ferido. Ele caiu no chão com um som estranho. Suas mãos cortaram ao tocar tão violentamente o calçamento. Percebi que um filete de sangue escorria de sua orelha. E foi então que o verdadeiro caos se mostrou em toda a sua intensidade.
Mais de vinte pessoas surgiram correndo, vindas de casas, garagens e lugares próximos. Todos, sem exceção, mostravam-se alucinados, cheios de algo que me pareceu ódio, porém era mais primitivo.
Todos correram em direção ao motorista, alguns pisotearam os restos (ainda vivos) da mulher atropelada. Ela também se esforçou mais para chegar até o motorista acidentado. Estou no inferno - pensei.
O homem foi devorado em minutos. Pedaços dele estavam espalhados por metros. Ele morreu com extrema dor. E eu ouvi cada um dos gritos.
Então, os homens, mulheres e crianças se voltaram para mim. Ferido e fraco, restou-me apenas abaixar e aguardar. Eu seria a próxima refeição deles. Era hora de morrer...
Olhei, entre lágrimas, eles se aproximarem. Todos passaram por mim, milagrosamente. Talvez, refleti, satisfeitos pela última vitima. Deus me poupou, apesar de meus erros. Eu fui salvo. Agora, restava-me sair daquela zona de guerra. Viver era o que eu mais desejava.
Andei por uma área sem aqueles canibais. Só parei por causa do ferimento e do cansaço. Andar mais poderia significar a antecipação da morte. Com alguns medicamentos e ataduras, minhas chances de sobreviver aumentariam.
Arrombei uma casa e busquei abrigo. Todo mundo tem remédios, gazes. Seria impossível que o azar me atingisse com tamanha brutalidade. Busquei e encontrei alguns comprimidos de Aspirina, dois band-aid e um pacote com gazes pequenas. Nada de mais, porém já era um começo. Fiz o curativo, apertei com um trapo o corte na perna e vasculhei a casa. Pouco era aproveitável. Alimentos estavam decompostos, insetos tomavam quase tudo e o cheiro de podridão provocava náuseas.
Esperei a noite cair para sair sobre a proteção da escuridão. Movia-me em silêncio absoluto. Vi e passei por vários dos que morreram. Rezei para que não sentissem meu cheiro. Minhas preces foram atendidas...
Por semanas eu vaguei, como um ladrão. Aliás, roubar era questão de sobrevivência, mesmo que não fosse realmente um roubo, já que todos nas redondezas estavam mortos ou algo muito próximo disso. Animais eram devorados por crianças. Bebês cambaleavam e emitiam urros, possuídos por uma raiva ancestral. O passar do tempo fez com que o medo fosse substituído pela vontade de viver.
Cheguei a uma casa isolada no topo de uma colina. Muitos dos mortos continuavam a caminhar. A comida deles estava tão escassa quanto a minha e todos nós estávamos morrendo. Eu pela primeira vez. Eles, degustando uma segunda e lenta morte. Se não houvesse água e alimento na casa, meu corpo definharia. Se eles me pegassem, suas existências seriam esticadas mais alguns dias. A morte me rondava. A morte caminhava.
Dentro da casa eu encontrei algumas latas de comida. Atum, salsichas e até feijão. Eu iria retomar minhas forças e fugir. Bastava comer e aguardar o momento certo para sair daquele pesadelo (mesmo que isso me levasse a outro pior).
Bebi uma água já rançosa, parada por muito tempo no encanamento. Levei longas horas para abrir as latas e comer. Tive que comer lentamente, tamanha era a dor no estômago. Agora era o momento de sair daquela armadilha. Um único vacilo e todo o esforço para sobreviver ruiria.
Desci para o primeiro andar da casa, renovado pela água e o alimento. Eu teria forças para correr se fosse necessário. Foi aí que percebi o quanto era inútil ter esperança. Milhares de cadáveres caminhavam e sussurravam diante da casa onde me escondi. Olhos vitrificados e dentes que rangiam me aguardavam. Não havia fuga. Eles não invadiam a casa pois sabiam instintivamente que não havia como escapar deles e da fome que também os torturava. Era chegada a minha hora.
Abri a porta e me deparei com rostos putrefatos e lábios ansiosos por carne. Eu morreria para lhes dar sustento.
Eles vieram lentamente em minha direção. Caminhavam de forma ritmada e lenta, mas estavam cientes de qual era o alvo. Eu também descobri que já não havia mais para onde fugir. Era hora de morrer.
O primeiro morto era na verdade uma mulher. Seu rosto estava irreconhecível dado o grau de putrefação. Os dentes ainda tinham restos de comida entranhados, também apodrecidos. Ela quase me beijou e pude sentir o hálito da morte muito próximo a mim. Minhas pernas tremiam e fechei os olhos por instinto. Entretanto, ela apenas parou e farejou, como um cão o faria. Senti seu ombro se chocar, levemente, com o meu. Ela passou por mim e entrou na casa, sendo seguida por todos os outros cadáveres. Eles me pouparam, não sei o motivo. No mesmo ritmo que eles, eu sai e continue andando por horas e horas.
Os dias e meses que se seguiram não foram diferentes. Eu caminhei literalmente entre os mortos. O vale da sombra da morte era o meu novo lar. Sobrevivi dos restos daqueles que agora andavam sem vida. Mas onde estavam os outros sobreviventes? Será que eu era o único ser vivo em um mundo dominado pelos amaldiçoados a vagar sem destino?
Transpus quilômetros sem fim e sempre me deparei com a mesma visão: nem mesmo os animais de peçonha existiam mais. A morte e sua mais recente máscara era o que predominava. Conclui que não havia mais com quem conversar, amar ou partilhar dores e alegrias. Eu fiquei fadado ao convívio dos mortos-vivos que, simplesmente, me desprezavam. Por algum motivo estranho e sarcástico, eu me tornei o último homem vivo na terra dos decompostos... sem direito à morte e sem coragem para tirar minha própria vida.
Esperei a noite cair para sair sobre a proteção da escuridão. Movia-me em silêncio absoluto. Vi e passei por vários dos que morreram. Rezei para que não sentissem meu cheiro. Minhas preces foram atendidas...
Por semanas eu vaguei, como um ladrão. Aliás, roubar era questão de sobrevivência, mesmo que não fosse realmente um roubo, já que todos nas redondezas estavam mortos ou algo muito próximo disso. Animais eram devorados por crianças. Bebês cambaleavam e emitiam urros, possuídos por uma raiva ancestral. O passar do tempo fez com que o medo fosse substituído pela vontade de viver.
Cheguei a uma casa isolada no topo de uma colina. Muitos dos mortos continuavam a caminhar. A comida deles estava tão escassa quanto a minha e todos nós estávamos morrendo. Eu pela primeira vez. Eles, degustando uma segunda e lenta morte. Se não houvesse água e alimento na casa, meu corpo definharia. Se eles me pegassem, suas existências seriam esticadas mais alguns dias. A morte me rondava. A morte caminhava.
Dentro da casa eu encontrei algumas latas de comida. Atum, salsichas e até feijão. Eu iria retomar minhas forças e fugir. Bastava comer e aguardar o momento certo para sair daquele pesadelo (mesmo que isso me levasse a outro pior).
Bebi uma água já rançosa, parada por muito tempo no encanamento. Levei longas horas para abrir as latas e comer. Tive que comer lentamente, tamanha era a dor no estômago. Agora era o momento de sair daquela armadilha. Um único vacilo e todo o esforço para sobreviver ruiria.
Desci para o primeiro andar da casa, renovado pela água e o alimento. Eu teria forças para correr se fosse necessário. Foi aí que percebi o quanto era inútil ter esperança. Milhares de cadáveres caminhavam e sussurravam diante da casa onde me escondi. Olhos vitrificados e dentes que rangiam me aguardavam. Não havia fuga. Eles não invadiam a casa pois sabiam instintivamente que não havia como escapar deles e da fome que também os torturava. Era chegada a minha hora.
Abri a porta e me deparei com rostos putrefatos e lábios ansiosos por carne. Eu morreria para lhes dar sustento.
Eles vieram lentamente em minha direção. Caminhavam de forma ritmada e lenta, mas estavam cientes de qual era o alvo. Eu também descobri que já não havia mais para onde fugir. Era hora de morrer.
O primeiro morto era na verdade uma mulher. Seu rosto estava irreconhecível dado o grau de putrefação. Os dentes ainda tinham restos de comida entranhados, também apodrecidos. Ela quase me beijou e pude sentir o hálito da morte muito próximo a mim. Minhas pernas tremiam e fechei os olhos por instinto. Entretanto, ela apenas parou e farejou, como um cão o faria. Senti seu ombro se chocar, levemente, com o meu. Ela passou por mim e entrou na casa, sendo seguida por todos os outros cadáveres. Eles me pouparam, não sei o motivo. No mesmo ritmo que eles, eu sai e continue andando por horas e horas.
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