Pages

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Indomável - I - Lar doce lar


Na mesma velocidade em que um raio corta o céu, a dor daquele cassetete encontrando meu cotovelo explode em milhares de fragmentos através de meu corpo. Ouço o eco repetido do meu grito ecoando pela prisão e desmonto completamente, perdendo todo o controle das pernas, bexiga e anus. Aqui estou como uma criança de cinco anos, cagada e mijada rolando de dor no chão.

A agonia de não saber se é dia, noite ou eternidade; a luz ofuscante perfurando os olhos eternamente; o ranger incessante das botas no piso congelante e mesmo os urros dos prisioneiros se tornaram a paz e calma que sempre sonhei quando, de encontro ao chão, senti e entendi o que acontecera.

Gemendo e contorcendo descontroladamente ouço o oficial berrar palavras que eu não pude decifrar. Não há som, imagem ou qualquer outra mensagem passando pelo meu cérebro, apenas o sentimento de ter o braço arrancado por uma navalha, e milhares de laminas fatiando o braço, costas, nuca e alma. Arrancando minha pele num desenho abstrato e estendendo o chão como um tapete de couro. Já a cabeça, penduram na parede, como um troféu.

Seguro o cotovelo, desejando aliviar o escapelamento, sem qualquer sucesso e então percebo que o golpe é apenas uma mensagem - "Seja bem-vindo, não repare a bagunça e sente-se por favor." - é apenas uma maneira irônica de lhe receber com amor e hospitalidade - "Por favor, sinta-se em casa!" - Sei que esta será minha casa por um longo tempo e o gelo do piso minha cama. Sei que este golpe é apenas o início de minha tortura e pela primeira vez na vida desejo morrer.

Ouço um escarrar e sinto o calor da densa matéria vinda da garganta do uniformizado em meu rosto, tem cheiro de bacalhau, vinho tinto e vomito. O catarro escorre da maça do rosto à boca enquanto tento limpá-lo sem muito sucesso. Lambuzo a mão e impeço que a boca seja contaminada pelo pútrido hálito do caserna, mas espalho por todo o meu rosto a gosma nojenta e de odor insuportável. Era tudo o que pude fazer no momento, já que minha mente ainda estava no branca de dor e não já não suportava sentir qualquer coisa.


O cheiro do ambiente me embrulha o estomago, o mijo e fezes são suportáveis, mas o cheiro do caserna consegue superá-los. A mistura invade o ar da prisão, mas antes de que haja tempo de pensar o milico grita qualquer coisa, desferindo um pontapé em minha boca. Dois ou três dentes voam enquanto um corte imenso é aberto na boca. Sinto o corte com a língua, notando claramente uma divisão imensa no lábio inferior. O sangue jorra da boca e enche o estomago deixando-o mais fraco.

A bota volta a tocar o meu rosto, mas de forma diferente. A pisada na orelha foi mais sutil que o chute, mas conseguiu ser ainda mais dolorida, sinto explodir meu crânio. Ele repete uma frase, mas não ouço, sinto apenas a pressão aumentar. Esforço-me para ouvir, tentando atender a ordem que ele fala de forma mansa, mas ousada -  "Abre a boca, verme"

Eu abro, ouço outro escarrar e sinto dentro de minha boca aquela mesma matéria que antes correu meu rosto. Ponho pra fora tudo o que havia no estomago, vomitando apenas sangue e bílis. Esqueci-me da fome, quero apenas botar pra fora tudo o que tenho até desfalecer.

A risada e histeria do militar só não me irritou pois não tinha forças para isto, estava concentrado em afugentar a dor, horror e nojo que me envolvia. Percebendo, meu opressor adiantou-se em não permitir que isto ocorresse e me deu um chute na costela.

Desta vez não sinto mais nada, apenas aceito o golpe e desmaio, meu corpo não suporta mais.

De olhos fechados sonho com uma bela garota, olhos claros e cabelos loiros. Sinto seu cheiro, seu suor, seu corpo colado no meu num abraço de amor e paixão incondicional. No meu sonho ela estava linda e brincava no parque enquanto meus olhos acompanhavam cada movimento seu.


Ali, deitado naquele chão e sabendo de tudo o que viria acabo por aceitar qualquer punição pelo crime que cometi. Aceito tudo e até mesmo o aumento da dor me será justificado. Sofrerei até o limite, mas não me arrependei do que fiz. Nunca arrependerei dos crimes que fiz por amor. Apenas amor.


11 comentários:

  1. Hummmm Rainier, o que houve com você? Não conhecia esse seu lado obscuro e sádico, os próximos terão o mesmo tom? hahah...
    Só tome cuidado com os tempos verbais meu amigo, eles são traiçoeiros.
    Parabéns pela escrita.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Juliano, cada vez a experiência deve ficar mais tóxica e peçonhenta. Começamos com apenas umas pancadas leves, o restante do conto será muito mais poderoso, mais sádico, e extremamente mais violento.

      Gostaria de ser tão violento assim contra esses tempos verbais que acabam comigo! SEMPRE!

      Valeu demais, Juliano! Há braços!

      Excluir
  2. Muito bom - ou devo dizer angustiante? Yep, digo angustiante, porque tenho de dizê-lo. Ficou do caramba! A primeira pessoa serviu para amplificar as sensações de náusea e apreensão transmitidas ao leitor. Maligno esse recurso, hein!
    E, bem, se como você disse na conversa lá no fb isso é apenas o começo, aguardarei ansioso (e temeroso, hehe!) o que está por vir.
    Bem escrito como sempre, Rainier - salvo uns detalhes de tempo e concordância verbais, como o Juliano já apontou.

    (Agora que estou com tempo, pretendo acompanhar o site. Amanhã lerei mais contos e farei comentários.
    Já enviei um texto meu para o e-mail do Franz. Como tenho pouca experiência com terror, apelei para o horror mesmo, heh!)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sensação: nojo, medo, dor, frio na espinha e gastura. Eis as bases que motivaram esta escrita, fazer-se sentir no corpo o que se lê. O que se sente, se vê ou se toca, a dor, o medo e angústia são grandes armas! XD

      Rodrigo, leia os outros contos mesmo, estão cada um mais fantásticos que o outro. O do Franz semana passada foi arrebatador. Recomendadíssimo!

      E o tempo verbal. MALDITO!

      Excluir
  3. Gostei muito, Rainier. Lembrou-me bastante o ponto de vista de um certo personagem das "Crônicas de Gelo e Fogo", com a diferença que você escreveu em primeira pessoa, dando ao conto um tom ainda mais angustiante, horrível, e porque não, gore.

    Logo no final percebe-se que o personagem será bem desenvolvido, e esta é exatamente a minha critica: o conto acaba! Sei que haverá continuação, mas ainda assim... cortou minha experiência, que estava bastante imersiva.

    Parabéns pelo conto e aguardo a próxima parte.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. GORE - Fecken yeah!
      Gelo e Fogo? Não li ainda. #shameonme

      Quanto ao personagem, lhe digo que a história será muito bem desenvolvida, no estilo que vocês já viram - Juliano, Ricardo e Rodrigo - no Expresso da Solidão.

      Primeiro levantarei as dúvidas, explicarei as coisas e fecharei no ato final, com uma dose de quero mais. Espero que vocês gostem, pois esta série me arrancou muitas noites de sono!

      Cada parte será mais imersiva, com mais dor, mais angústia e mais estupidez. Realmente fiquei empolgado com essa história. Foram mais de 16 horas desenvolvendo ela!

      Segunda tem mais.

      Excluir
  4. Ainda bem que isso não acontece na vida real... =/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não acontece com a gente né? rsrsrs

      Cara, me fez lembrar a visita que fiz (quando adolescente) a uma das prisões da epoca da ditadura... Os cadernos dos oficiais onde escreviam os diarios das torturas e as especificações dos metodos e objetos utilizados... Ai...

      Nossa, me deu uma angustia tão extrema que nem notei os benditos tempos verbais de que tanto falam... terei de ler uma segunda vez para ser mais critica kkkkkkkkkkkkk

      Parabéns pelo texto e a unica coisa que eu não gostei (mas que faz parte, pois dá um clima maior de repulsa, nojo e desespero) foi da foto que você utilizou (a foto mesmo, não os desenhos/ilustrações) que me paralisou. Não gosto desse tipo de foto, acho que sobrou um pouco pois o texto já fazia sua mente viajar o suficiente nos horrores das imagens descritas, mas entendo que faça parte do que você planejou.

      Ficou HORRIVEL (no bom sentido kkkkkkkkk)

      Excluir
    2. Tati, o intuito é mostrar o quão real e terrível é o ser humano, e que somos suficientes pode causar as maiores doses de horror e crueldade.

      A imagem é essa ligação entre a ficção e real. Sei que choca, essa é a intenção, mas ainda assim escolhi a foto mais tranquila possível. Apenas um homem caído no chão com um pouco de sangue. - Acredite, procurar imagens de tortura é uma tortura para qualquer pessoa de bem.

      Fico feliz que você gostou, em breve teremos mais doses dessa loucura. Espero que continue tendo o mesmo desgosto até o final da história! XD

      Excluir
  5. Eu já conhecia esse seu lado obscuro... hahaha. Parabéns cara! avisa quando sair mais!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Hahushuashusau... Pois é... Bons tempos de ONE! - Pode deixar que eu te aviso sim.

      Há Braços!

      Excluir